A Pobreza e a Felicidade

Os meios de comunicação estão dando noticias sobre o censo 2010. Participar dessa pesquisa do IBGE é uma experiência única. Uma convivência com os vários tipos que compôem a população brasileira. Os ricos, os médios, os pobres, os muito pobres, enfim, os que estão abaixo da linha da pobreza, na chamada “miséria absoluta”.Eu , algum tempo atrás, fiz esse trabalho, que às vezes é complicado, árduo; às vezes, divertido, interessante, nunca monótono.A princípio, eu pesquisei um bairro da classe média alta, onde as madames, pelo interfone, avisavam aos funcionários que o recenseador poderia adentrar a sua residência e as informações seriam passadas, lá dentro da casa. A questão, suponho: quantos anos a senhora tem? E eu fazia um percurso, entre um jardim bem cuidado e uma piscina com a água de um azul que era um convite a mergulhar no céu da terra.Uma mulher. Bela mulher. Vestida como se acabasse de sair da cama, fornecia as informações. Após, a execução do trabalho naquela região dos privilegiados, eu fui fazer a coleta em uma favela. Contrastes violentos. Esgotos, sujeiras, gente sem educação- sem informação. Tudo muito triste. Poderia ser o retrato do inferno no planeta que habitamos. E cheguei em um barraco. Nunca, nunca mesmo, eu havia visto, uma pessoa tão pobre como aquele senhor. Estava ele, sem camisa. Barba grande, branca. Recebeu-me bem. Pediu-me que eu entrasse em sua casa. Eu concluí que ele achava que era uma visita ilustre. Na casa ou barraco, não havia nenhum móvel, a não ser uma boléia de caminhão improvisada como poltrona. Uma mesa, que na verdade parecia um tronco de árvore com uma tábua em cima. Uma garrafa de café sobre ela. O fogão eram dois tijolos. Mas algo chamou-me a atenção: uma placa na porta de entrada, escrita com letras mal feitas, dizia – “ Dinheiro não trás felicidade”. Isso mesmo. Trás , com “s”, quando deveria ser escrito com “z”.Ele, muito gentil,disse que sua profissão era catar papelão, ferro velho, coisas similares.Ofereceu-me café. Eu aceitei. Ele pegou duas xícaras pequenas que estavam dentro de uma caixa (de papelão). Passou água, e bebemos o café.Eu preenchendo o questionário, os seus dados pessoais e ele comentava a sua vida.Falava dos seus parentes como se todos estivesem ali, ouvindo a nossa conversa.Descrevia a personalidade de cada um.Encontrando uma qualidade em uma determinada pessoa, às vezes enorme, parecia inverossímil; ás vezes, em outra, mínima,perceptível apenas àqueles que exergam pelo coração. Elogiavam os que estavam vivos , os que estavam mortos.Todas aquelas criaturas tinham importância na vida daquele pobre homem.Não reclamava daquela situação que ele atravessava com uma resignação sábia . E a placa? Eu com uma enorme vontade de falar do erro ortográfico que ele havia cometido: o s no lugar do z. Seria exibicionismo meu, pensei. E conversávamos. Terminei o questionário, e já saindo, quando criei coragem, e lhe disse que aquela frase estava escrita errada. O certo era” z” e não “s”.O homem pegou um saco cheio de lata de tinta e um pincel, e com a tinta branca apagou o s e com a tinta preta escreveu um z. Agradeceu-me. Elogiou os meus conhecimentos. Disse que não teve oportunidade de estudar. E apertamos as mãos e ele desejou-me felicidade. Eu também lhe desejei felicidade.

Soleno Rodrigues
Enviado por Soleno Rodrigues em 03/06/2010
Reeditado em 19/06/2015
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