Pé na estrada

Difícil descrever um prazer maior que pôr o pé na estrada. E não existe hora apropriada para isso. Pode ser num sábado qualquer, mesmo depois do almoço. Melhor ainda quando se levanta cansada, ainda meio torta, parecendo carro batido, e, lentamente, se ajeitando, começando a andar. Tudo depois de uma semana exaustiva de trabalho. Logo fica pronto o café Moka (desde 1914), junta-se o pão de gergelim com manteiga (manteiga mesmo e não margarina) e se vai sem destino definido. Pena que eu não encontre mais o Café da Serra – o melhor da terra (desde 1901), porque aquele tinha gosto e cheiro de começo de século, o perfil de uma São Paulo que se desenhava para o progresso, abria espaços, sonhos, encontros e encantos.

Saio a passeio com freqüência com a minha família e o encantamento pelo inusitado é algo digno de nota.

Vivo na ilha de Santa Catarina, mas São Paulo nunca me saiu do coração. E eu nem permito que saia, porque coração é coisa complicada de tão sensível, bela e apaixonante. Coração pulsa queiramos ou não, é quente como um verão de praia lotada e move todas as emoções em todos os tempos.

Então descobrimos montanhas românticas com todas as cores e formas, espaços pitorescos, homenagens em praças públicas que retratam os desbravadores anônimos da região, buscamos água na fonte e nos abastecemos com água mineral por um mês, e sempre, sempre, descubro algum doce feito no local, ou pão ou cuca. É sempre fundamental se levar para casa o gosto do local visitado. Então leva-se pão, de preferência.

Numa das idas a Blumenau descobri, numa feira livre, a cuca de abacaxi mais saborosa do planeta. Estava à frente da iguaria um alemão de 2 metros, simpático e pouco dado a conversas, mas a cuca era extraordinária. Cuca é um bolo genuinamente alemão, macio, com uma cobertura de farofa doce. A fruta é opcional. Existe cuca de banana, de abacaxi, de goiabada, até de bombom e, com café, é sempre alegre uma companhia em qualquer situação. Principalmente na volta da pequena viagem.

Fernando Pessoa dizia que “para viajar basta existir”. Concordo. Eu existo fazendo pequenos planos de estrada, algumas paradas para observar atentamente os rios que cortam a cidade, sentir o cheiro do novo, as construções, observar as falas, os rostos, as pessoas que andam de bicicleta, as comidas da região, os nomes das ruas, que contam a história do município, os nomes pitorescos, as duplas musicais, as festas regionais. A identidade da região é mais apaixonante que um poema de Vinícius de Moraes. É vida com olhar brilhante no seu sentido mais profundo e acolhedor.

Eu existo quando paro o carro para apanhar algumas flores perfumadas.

Há poucos dias, em Santo Amaro da Imperatriz, no interior de Santa Catarina, parei o carro para colher algumas flores – angélicas – que têm um perfume paradisíaco, dos tempos da infância da minha mãe nas Minas Gerais. Fim de tarde de um outono ainda doce e ensolarado, num bairro de características rurais, eu cheirava as flores e observei uma árvore linda do outro lado da rua. Por entre as folhagens, um raio de sol. Tive a impressão de, sutilmente, Deus estar me olhando através daquela luminosidade e, quem sabe, se divertindo com o meu jeito simples e infantil de me sentir inteira e muito feliz.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 04/06/2010
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