O PREÇO DO PRAZER

Antes de ser moderno o “liberou geral” nos relacionamentos entre homens e mulheres, a coisa funcionava precariamente. Não cogito em como as moças de então, aliviavam, por assim dizer, suas tensões emocionais, mas a propaganda oficial era de que se guardariam castas e puras, até o Dia do Sim, aos pés do altar e do padre que oficiava o casamento... Para os rapazes a mesma estória pode ser vista de outro ângulo, não sendo segredo que a iniciação sexual dos mancebos, se dava - ressalvadas as aberrações de praxe - com as chamadas Damas da Noite, ou prostitutas, nas afamadas casas de tolerância (puteiros) que ao feitio de igreja cada cidade tinha pelo menos uma!

Aqui em Bom Despacho o Cantinho da Tê fez fama e história, chegando em seus áureos tempos a importar garotas da Capital, para reforçar o escrete. Os quase-vovôs de hoje, com cabelos embranquecidos e barrigas de aposentados - não mencionando outros penduricalhos, abaixo da cintura, de utilidade duvidosa -, na época rapazolas cheios de vitalidade e testosterona esguichando por mais de um orifício, ali suspiravam pelas carícias da Kátia, uma estonteante morena; ou se perdiam pelas formas longilíneas, da ruiva Leonor.

Pois, justamente na noite em que desfrutou os favores de uma colega destas deusas, o hoje estabilizado comerciante - conhecido na cidade por sua parcimônia financeira (ele é pão-duro de nascença), aqui por questões óbvias chamado Sr. Ypsilon -, à data ainda humilde balconista, se viu em sérios apuros quando a dama quis receber os honorários. O dinheiro que levara na carteira mal dava para um PF de rodoviária, mas ele, entusiasmado, pedira refeição de restaurante cinco estrelas! Trancafiado no quarto, em pânico, enquanto aos gritos a mulher ameaçava não deixá-lo sair sem o pagamento combinado, o Sr. Ypsilon tremia e temia pela integridade física de seu bravo companheiro de pândega, estrategicamente protegido com as pernas trançadas!

Nesta altura dos acontecimentos, apareceu por lá, numa de suas rondas costumeiras, o atuante causídico - hoje sócio de renomada banca advocatícia na cidade, também não por covardia ora apelidado Dr. Xis -, então mero bisbilhoteiro dos códigos, e que por hábito se excedera na apreciação daquele líquido transparente que não mata sede de passarinho. E igual a todo bêbado, se proclamando sóbrio, solidário, ofereceu um hábeas corpus ao amigo prisioneiro e sem maiores discussões existenciais passou-lhe por debaixo da porta, um cheque seu, dando assim um final menos trágico ao retumbante barraco.

Pelo meio da semana seguinte, retornando ao aconchego do Cantinho da Tê, o Doutor Xis foi recepcionado, ainda no pátio, pela mesma garota, como se estivesse naqueles dias! Parecia uma alucinada. Não, seu cheque não voltara por insuficiência de fundos. O vexame era pior. Sob o forte efeito etílico, ou no afã de libertar o inesperado cliente - concedo ao leitor o benefício da dúvida -, nosso advogado nem se deu conta que ao invés do cheque assinara uma requisição de talonário.

Como tudo na vida tende a piorar, a Vênus do cerrado exigia-lhe, aos berros, não só a quitação da dívida original, corrigida pela galopante inflação, mas também o pagamento da corrida de táxi - ida e volta - à cidade para descontar o cheque; indenização pelo tempo perdido na fila do banco (em que poderia estar atendendo algum cliente); até por danos morais ela reclamava... Com algum traquejo nos escaninhos da profissão de advogado, o doutor Xis propôs à garota entrar, beber uma cerveja, beliscando um petisco – ele, preferentemente, àquelas curvas bem delineadas e morenas, de deixar caminhoneiro maluco pelas estradas... Porém a garota continuou irredutível: - Paga agora. Dim-dim na minha mão. Nota de dólar! É impossível resistir às mulheres!

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 05/06/2010
Reeditado em 19/12/2010
Código do texto: T2301665