Sô Intelecto

Por meio desta coluna, faço uma simples homenagem a um grande personagem de nossa Itabira: Raimundo Cesário da Costa, “Sô Intelecto”, como era conhecido pelo motivo de oferecer laranja seleta nas residências de Itabira.

Sô Intelecto, embora não tivesse o conhecimento de francês, inglês ou latim, respondia à Missa e cantava a ladainha e o oficio de Nossa Senhora em latim com grande facilidade.

Nós, meninos das ruas vermelhas do Campestre e do Explosivo, o chamávamos carinhosamente de “Sô Inteleco”.

Durante décadas foi o responsável pela reserva da mata atlântica e plantio da chácara, onde hoje é o denominado Parque Municipal Mata do Intelecto, lugar em que residia, preservando o meio ambiente, numa época em que ainda não havia a regularização da lei ambiental. Também atendia com maior carinho aos professores e alunos do Grupo Escolar Emílio Pereira de Magalhães durante excursões ali realizadas, principalmente na semana da árvore, quando, de forma bem simples, nos ensinava como ser amigos da natureza.

Pai de muitos filhos e filhas, exemplo de integridade, católico fiel, congregado Mariano, Irmão do Santíssimo, participava ativamente das festas religiosas. Amigo inseparável do Monsenhor José Lopes dos Santos foi por muitas décadas o leiloeiro oficial do Rosário. Muitas vezes era responsável pelos sinos da Matriz e da Igrejinha do Campestre. Ensinava-nos com muita dedicação e paciência a linguagem dos sinos.

Era divertido ouvi-lo leiloando prendas oferecidas pelos paroquianos, após terços e novenas realizadas nos adros daquelas igrejas. Esperávamos aquele momento com ansiedade.

Nas procissões era o primeiro da fila, carregava com muita piedade a cruz principal, abrindo o cortejo.

Guardo na lembrança a voz inconfundível do Padre “Zelopão”, que ecoava por toda a Praça da Matriz, “Seguem o Intelecto...”

No dia de Corpus Christi, preparava o Turíbio e o incenso para serem usados durante as bênçãos que aconteciam durante o trajeto. Recomendava não desperdiçar, usar somente nos momentos solenes.

Na missa dos pré-santificados da Sexta feira da Paixão e na Via Sacra, acionava a matraca, substituindo os sinos, devido ao luto do dia.

Lembro-me de um episódio que aconteceu numa dessas procissões: eu carregava uma escadinha para que a Verônica subisse para cantar o “O vos omnes, qui transite per viam, Ateendite et videte, si este dolor, sicut dolor meus” e mostrar ao povo o Santo Sudário com a figura do Rosto de Jesus. A procissão saiu da Matriz do Rosário após a cerimônia do descedimento da cruz, fazendo o trajeto pelas ruas do centro da cidade, ao chegar à Rua Tiradentes, próximo à antiga Câmara Municipal, hoje Praça Eurico Camilo, em frente ao Banco do Brasil, que era um dos locais do cântico da Verônica, coloquei a escadinha no canto da calçada, aguardando a chegada da cantora, um cidadão embriagado cismou de utilizar a escadinha para ver a procissão de um lugar privilegiado. Chamei Sô Intelecto para tentar convencer o bêbado a descer da escada, já que ele de maneira alguma queria atender ao meu pedido. Sô Intelecto resolveu a situação balançando a matraca na orelha do sujeito. No momento em que a matraca foi acionada, o cidadão, xingando e esbravejando, logo arrumou jeito de se desbancar do trono em que se encontrava.

Assim que a Verônica, toda vestida de preto, subiu a escadinha e iniciou o cântico, o bêbado gritou bem alto: “Que urubu é esse em cima do poleiro?

Virge-Maria, o bicho sabe cantar!” Essa foi apenas mais uma oportunidade de Sô Intelecto atuar resguardando o padre, pois, de pronto, espantou o homem daquele lugar, antes que o sacerdote se aborrecesse.

Intelecto, homem da mina, que ajudou escrever a nossa historia.

Marconi Ferreira
Enviado por Marconi Ferreira em 09/06/2010
Código do texto: T2309004