A QUEM PEDIR SOCORRO?

No começo do século XIX, a principal atribuição da polícia nas antigas colônias era capturar e punir escravos fugitivos com chibatadas. Os fugitivos no Brasil costumavam receber 200 chicotadas. Nos Estados Unidos, recebiam vinte. Nesses tempos, a polícia estava a serviço dos donos de escravos contra todo o resto da população. Esse tipo de mentalidade sobrevive até hoje.

A polícia trabalha como se fosse adversária da população e não como sua aliada. No seu quadro efetivo encontram-se pessoas da pior espécie imaginável. Verdadeiros bandidos travestidos de policiais. Diante desse pesadelo, a população fica sem saída. Se denunciar o policial, corre sério risco de morte.

Nenhuma polícia conseguirá impor a lei se atuar à margem dela. Ser duro com o crime não é se igualar aos criminosos. Corporações às quais o Estado concede o monopólio do uso da força não podem confundir autoridade com autoritarismo.

A elas não é dada permissão para violar direitos humanos, ferir a cidadania, ainda que em confronto com bandidos, ocasiões em que, não raro, a resistência à prisão passa a ser usada como justificativa para homicídios. Mais grave ainda quando deixa de ser fato isolado, exceção, para virar norma; pior quando inocentes se tornam vítimas da violência praticada por forças pagas pelo contribuinte para garantir a segurança pública.

Ao aceitar que presos sejam espancados, torturados ou até exterminados, o cidadão ajuda a alimentar um monstro que desconhece limites e, em vez de aplacar, fomenta a violência. Mas, como combater?

A solução é tão simples de entender quanto o problema em si: investimento nas polícias, com cursos de formação, acompanhamento psicossocial, políticas decentes e efetivas de cargos e salários. Mas também fortalecimento das corregedorias, investigação e punição sem trégua para desvios de conduta. Nada que seja novidade, que qualquer autoridade da área de segurança pública possa desconhecer. O que se desconhece é a ação. Falta, pois, à sociedade acordar para o mal que tal tipo de extravio produz, e exigir do Estado à correção de rumo.

O mal da corrupção assola o país. Não se trata de um caso isolado. Vergonhosamente já se instituiu em todo o Brasil. Como um câncer, corrói todos os sistemas e poderes que deveriam proteger os cidadãos, e atua com mais veemência nos mais altos escalões. Para comprovar basta ler ou ouvir os informativos diários. A população anda assombrada, não sabe mais onde pedir socorro. A polícia, o judiciário, os políticos e os bandidos tornaram-se uma simbiose. Em quem acreditar? Punir o policial marginal é muito mais desafiador do que prender bandidos comuns. Investigar a polícia é a coisa mais difícil que existe, é quase impossível.

É terrível quando um servidor público muda de lado, mas isso acontece com frequencia. Mas nada se compara ao que acontece quando quem troca de lado é alguém que pertence aos quadros da polícia.

A polícia-bandida tornou-se um dos grandes motores do crime no Brasil e um pesado obstáculo à redução das taxas de criminalidade.

É tamanho o envolvimento de integrantes das polícias civil, federal e militar com a corrupção, roubo, sequestro, assassinatos e tráfico de drogas que não é mais possível esperar que essas polícias contaminadas consigam curvar as taxas de crime. Até porque elas mesmas contribuem para o crescimento.

É preciso reforçar que a grande maioria dos policiais brasileiros é constituída de gente honesta e trabalhadora. O fato de que tantos policiais se envolvam no crime não quer dizer que as corporações como um todo sejam corruptas. Também não quer dizer que a maior parte da força policial brasileira deixe de preocupar-se com o mau comportamento de alguns colegas. Muitos policiais honestos ficam indignados com a péssima imagem que seus batalhões e delegacias passaram a ter por causa dos maus elementos.

O índice de envolvimento de policiais com o crime, no entanto, é tão alto que não se pode mais depender da boa intenção dos honestos para recuperar o prestígio e a eficiência da instituição no Brasil. Algumas providências mais enérgicas precisam ser tomadas para afastar os criminosos.

Quando policiais encarregados de reprimir o crime saem às ruas para cometê-lo, o país está posto diante de um desafio. Como purificar as corporações para que elas voltem a ser aliadas do cidadão em vez de se comportar como um de seus maiores inimigos? Como o descontrole sobre a polícia chegou a um nível absolutamente insuportável, estamos em estado de alerta máximo.

Só nos resta ajoelharmos e de mãos postas rogarmos a Deus que tenha piedade de nós.