DNA de um bêbado

Não tenho culpa de ter nascido com uma doença incurável progressiva e de fins determinantes, e que esteja eu bebendo ou não esta doença a cada dia se agrava e se torna pior. Não tenho culpa de ter ficado sabendo deste detalhe somente aos quarenta anos!

Esta doença ilude e destrói seres humanos de todas as camadas sociais, embora nas altas camadas sociais ela não fica tão transparente muitas vezes, mas quem nasce com a doença do alcoolismo crônico compulsivo é na realidade um ser humano mutilado! Um doente especial! E quer queira, quer não se o doente compulsivo não morrer de acidentes mesmo assim ele fura a fila e alcança o túmulo no mínimo quinze ou vinte anos mais cedo.

E no espaço onde viveu deixa um enorme buraco negro, ou seja um muro de lamentações. E comigo não foi diferente, quando ficava embriagado me sentia rico, bonito e feliz, mas distanciava-me do mundo das realizações. Sem perceber cheguei aos quarenta anos solteiro, quase que o alcoolismo crônico compulsivo me leva deste mundo sem a realização de um casamento e sem filho e o pior uma vida inteira com as páginas todas em branco.

Quando se embriaga continuamente você perde a responsabilidade com sua vida e a vida dos demais e o tempo voa debaixo de seu nariz. A estupidez toma conta de tudo a sua volta, as pessoas a sua volta que desconhecem a doença te carimbam com um DNA de beberrão contumaz, estúpido e idiota, ou seja um bêbado sem futuro e você não tem como provar o contrário. Até aos trinta e oito anos meu alcoolismo ainda não havia mostrado a cara, assim deduzia eu. Depois de violentas batidas de carro, brigas em cabarés e boates com riscos de morte abrupta rondando minha vida, de manhã eu dizia a mim mesmo “preciso parar com minhas bebedeiras”, mas a tarde eu já estava de violão a tiracolo tocando e cantando.

Naquela época eu não sabia! Hoje sei que já se tratava de um caso para internamento, pois eu sofria com profundas depressões, meu sofrimento fazia-me submeter em algumas paradas forçadas! Sem saber o porquê sempre fui autônomo, sou profissional, sempre tive dinheiro, carro e mulheres nas mãos, nunca marquei cartão, eu tinha tudo para morrer bebendo. Mas para minha sorte Deus através de minha doença mandou-me uma carta de advertência. Hipertensão com ameaça de trombose, aos quarenta anos conheci o tal de “Delirium tremens”.

A carta estava em minhas mãos, e agora José? Você vai terminar de ti detonar ou vai aceitar ajuda? E o pior, naquela época eu não sabia que dinheiro demais causa euforia e destruição rápida no doente, e que fracasso de qualquer ordem é a mesma coisa. Então você está nos dizendo que sucesso e dinheiro para o doente é morte! E não me pergunte por que a mídia não questiona.

Absorvi a literatura da Irmandade e fiquei sabendo o porquê dos portadores da doença do alcoolismo crônico compulsivo não aceitarem ordens e imposições! E quando sem saber acordam submetidos a chefias, para não meterem o pé na jaca se derretem no alcoolismo.

Sem saber, com quarenta anos deduzi que o casamento me salvaria. Mas casamento para o alcoólatra é destruição a curto, médio ou longo prazo. Entreviste a qualquer portador da doença do alcoolismo crônico compulsivo que ainda esteja casado e ainda no exercício dos copos e que lhe reste alguma coisa de caráter. Ele lhe dirá que está sofrendo de solidão “a dois” ou mais pessoas, embora estejam vivendo no mesmo teto.

O comportamento infantil acompanha o doente a vida inteira fazendo-o desenvolver vários comportamentos: sendo o leão chega em casa quebrando tudo e ninguém se atreve a dizer nada, o bonzinho deixa as decisões para os familiares, ou para a esposa e o pior deles o indiferente, mas ambos alcançam a auto piedade, o isolamento e a depressão, neste estágio não sai de suas mentes “preciso terminar logo com isto” ou seja overdose ou corda no pescoço.

E enquanto estão sós, são detonados, suas almas só terão paz quando se agruparem aos seus iguais! São portadores das doenças da auto sensibilidade, da síndrome do medo e do pânico e das incertezas. Descobri com a ausência total do alcoolismo que poucas coisas na vida dão certo. No ápice da doença é forjado um novo caráter da inversão de valores, adquire uma falsa auto suficiência alicerçada numa detonadora auto piedade e por fim o pior de todos os defeitos de um ser humano a arrogância. (Bebo quando quero e paro quando quero.) Mas isto não corresponde a realidade.

Nestas alturas do campeonato somente um Deus amantíssimo poderá salva-lo, pois quando sucumbe o mundo sentimental e emocional adeus mundo dos sonhos e das realizações, e começa a via sacra interminável das depressões.