Eu tenho um sonho
 
Está chegando o inverno em São Paulo.
Os dias tem sol que ilumina e invade cada dobra da minha vida.
Me encosto na sacada da minha janela para admirar o vai e vem dos Pardais, pequenos, desprezados, quase ignorados.
Meus olhos se perdem na beleza do peito amarelo dos Bem te vis que pulam, voam seqüestrando aqui e ali um inseto distraído pra engolir.
Me ajeito melhor, observo os Sabiás quase sempre ariscos e arredios.
Basta esperar uns minutos pra acompanhar os João de barro, sempre em casal, peitinhos empinadinhos e saltitantes perto da poça d’água de um buraco na rua.
Os Beija-Flores, briguentos, lindos, vêm em velocidade de Fórmula 1 e pairam com os biquinhos encaixando-os nas flores de plástico com  água doce que coloquei pra eles.
Às vezes, vêm, também gritando, irados e nervosos, com as Cambacicas,  pequeninas, asinhas marrons e peninhas amarelas que não pairam como os beija-flor, mas agarram-se até de cabeça pra baixo pra tomar também sua dose de água-doce.
Agora apareceram uns azulzinhos que sequer sei o nome e descobriram que aquele potezinho de água doce é deles também.
As Rolinhas se empanturram com quirela de milho que jogo na calçada para elas. Não dão um pio, um sonzinho sequer, mas estão ali diariamente com suas primas maiores que de manhã gritam “fogo apagou”, as  Pombas Fogo Apagou,  e raramente descem até o chão pra comer. Só vez ou outra para também tomar sua aguinha na poça da rua.
Mas o encantamento está mesmo é nos Periquitos e Maritacas que em bando, fazem sua algazarra na copa dessa paineira de décadas vivida, que recepciona todos esses pássaros e que me cobre a vida de amor e fantasia. E a velha paineira está ali, não tem uma flor, enquanto as outras sem pássaros estão floridas.
Não tem mais nenhum botão, nem uma folhinha sequer nascendo porque os bandos de Periquitos e Maritacas comeram todas, mas ela está ali, firme, forte e necessária apesar das raras folhas que sobraram em seus galhos.
Acredito que a monocultura rural, a ganância por riquezas expulsaram esses pássaros de seu habitat natural, das árvores, flores e frutos das matas ciliares. Eu acredito que como eu  a vinda para a cidade grande em busca de conhecimento é a para eles a busca pela sobrevivência.
Assim como eles eu também me adaptei.
 Vez ou outra me assusto com um som mais forte ou uma cena mais violenta.
Como meus vizinhos passarinhos que cantam, também dou cá minhas gargalhadas, quando descubro que atrás de meu Certificado de Mestre em Comunicação, colocado na parede, mora uma lagartixinha tímida. 
A vida roda, circunda tudo em mim.
Mas eu tenho um sonho.
Sonho que amanhã a velha paineira sozinha e nua estará verde e florida.
Renovada e linda como o meu amor por você.