IMAGINO O ESPETÁCULO

Imagino uma aldeia com cabanas, casebres ou abrigos quaisquer. Ali vivem famílias felizes com o pouco que conseguem no seu labutar.

Imagino homens e mulheres trabalhando no semear ou no colher. Todos trabalhando para bem do sustento. Uns caçam, outros pescam ou cuidam do pequeno rebanho.

Imagino crianças brincando, correndo ou acariciando seu animal de estimação.

Imagino essas famílias espalhadas por um Continente tão rico de tradições e costumes. Onde todos se enxergam como irmãos da mesma cor e cujo coração está na sua terra.

Imagino casais juntos por livre escolha, amando-se, respeitando-se e gerando filhos como resposta desse amor.

Imagino o dia que tudo isso mudou. Pela primeira vez viram um espetáculo e eles não faziam parte da platéia, eram atores sem direito de escolher qual papel gostariam de representar. O espetáculo era: A ruindade de povos considerados e ditos civilizados que vira no negro, ferramenta para alimentar seus caprichos e saciar sua sede de ganância.

Imagino o dia onde o negro passou a ser caça. Imagino o assombro, a dor, a gritaria, o desespero...

Imagino os porões dos navios abarrotados de ‘ferramentas’. Nesses porões eram lançadas de qualquer maneira... E careciam de cuidados?

Imagino o terror de não saber o que se passava, pra onde estavam sendo levados e se viveriam para um dia reencontrar sua família, sua gente, sua Grande Nação.

Imagino a escuridão, o balançar do navio, os gemidos de quem sentia dor. Imagino o fedor do vômito, urina, excremento, sangue...

Imagino os que não suportaram o pesadelo e pereceram naquele buraco, onde o ar a cada momento tornava-se irrespirável.

Imagino o chegar à Nova Terra. O ficar na ‘vitrine’ para serem avaliados pelos brancos. Imagino o olhar lascivo para as negras que depois de ‘compradas’ teriam diversas serventias.

Imagino a forma que a ‘mercadoria’ era avaliada: as mãos apalpando os corpos, e, os olhos ‘espreitando’ os dentes...

“Será que não tem ‘coisa’ melhor do que isso?” com arrogância ‘cospe’ o comprador.

Imagino o negro em silêncio guardando toda sua dor por ver-se no lote do branco que vai para as Minas Gerais, enquanto a mulher amada é deixada para trás. Com certeza será vendida para outro senhor... Nunca mais porão os olhos um no outro.

Imagino quando chega a hora de ser marcado: amarrado, sem poder se defender; recebe a ‘marca de cativo’, parece que vai morrer... O ferro na brasa, o cheiro da carne queimada... O desmaio como escape... Marcado para sempre.

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 22/06/2010
Código do texto: T2335401
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