A festa de São Geraldo

O ano era 1960. Itabira ainda estava escondida entre as montanhas de minério de ferro e densas florestas.

O cauê reinava majestoso dominando todo o vale.

Amizade, respeito e solidariedade era peculiaridade entre as famílias.

A cidade respirava cultura e a Igreja ditava ordens, costumes, moral e religiosidade.

Famílias oriundas de outras cidades alimentavam sonhos de uma vida melhor aqui entre as montanhas.

A mineração expandia, enquanto outras atividades como, agricultura, agropecuária, fábricas e forjarias perdiam espaços para a nova ordem.

Muitas famílias consideradas tradicionais abandonavam a cidade assustadas pela invasão e temerosas com o futuro incerto.

A cidade prosperava e os costumes trazidos na bagagem pelos forasteiros tomavam espaço, e com o tempo foram influenciando nas manifestações centenárias local.

Festas tradicionais como do Divino, do Rosário, terço de São Sebastião, São Jorge, Banquete das Almas, perdiam o brilho e algumas foram abolidas.

Novas festas e cultos foram acrescentadas no calendário religioso da cidade, festa de São Geraldo, Senhora Aparecida, e outras.

Neste artigo quero relatar algo que aconteceu na festa de São Geraldo.

A minha família pertencia a Paróquia da Saúde.

Naquele tempo pertencer uma Paróquia era algo de responsabilidade, fidelidade, dedicação.

Os paroquianos tinham obrigações de participar de todas as atividades, desde o momento do batismo até as exéquias.

Era inadmissível saltar Paróquia como diziam os itabiranos da época.

Assistir uma missa em outra paróquia, nem pensar!

Era motivo de falatório.

Havia olheiros com missão de denunciar quem cometesse o tal ato.

Qualquer deslize era motivo de denúncia. O nome do paroquiano era proclamado durante a homilia.

A festa de São Geraldo estava próxima e uma equipe tinha que ser constituída para os preparativos.

Minha mãe e outras senhoras foram convidadas pelo Padre Lopinho para coordenar a festa do famoso Santo.

São Geraldo era um Santo novato, entronizado aqui no Mato Dentro nos idos 1920. Fazia grande sucesso por atender aos pedidos dos devotos.

Na minha família o Santo tinha tanto prestígio, que alguns irmãos sobrinhos e primos, primas receberam o nome do glorioso no momento do batismo.

Temos muitos Geraldos na família. Geraldo Antônio, Geraldo Reis, Geraldo Magela, Geraldo Eustáquio, Geralda, Geraldino e Geraldina.

O dia da festa estava próximo, e havia necessidade de angariar prendas para serem leiloados, organizar a novena e a procissão.

Morávamos na Rua Santa Maria próximo ao Matadouro Municipal, conhecida como a Rua do Corte, hoje, Avenida Carlos Drummond de Andrade.

Num determinado ponto desta Rua existia um aglomerado de casas onde moravam mulheres que serviam a prostituição.

Muitos as rotulavam como, “mulheres de vida fácil”.

Mas quem tinha olhos atentos à boa percepção, sabia que de vida fácil elas não tinham nada.

Só Deus sabe a vida que as pobres levavam!

A sociedade apregoava os mais esdrúxulos nomes para o local, Ponto de Briga, Largo da Madame, Água Espaiada, Cassino, Fundapedra, Rua da Zona, e outros.

Mas voltando o assunto do Santo, era necessário que alguém visitasse o local para arrecadação das prendas.

Ai que estava o problema!

Ir ou não ir ao Ponto de Briga... Água Espaiada... Zona... Ou sei lá o que?

Como entrar naquele local?

Foi preciso buscar consenso, traçar estratégias, negociar com o Padre.

Após muitas sentadas e muita conversa, as visitas foram permitidas, mas cercadas de muita segurança.

As senhoras teriam que ser acompanhadas dos congregados Marianos, dos Irmãos do Santíssimo, além de cinco soldados.

No dia da visita as casa e bares não poderiam funcionar e as prendas deveriam ser entregues no meio da Rua.

Tudo aconteceu conforme combinado.

No dia da festa, os moradores e os comerciantes enfeitaram de forma brilhante todo o trajeto da procissão.

Toalhas nas janelas, muitas flores, caminho de vela, bandeirolas, arcos de bambus.

Naquele dia todas as atividades do local foram canceladas.

O dia era “Santo.”

Às 15 horas os sinos da Igreja da Saúde festivamente anunciaram a saída da procissão: Rua Dom Prudêncio, Sizenando de Barros, Guarda Mor Custodio, Rua de Baixo, (Operários) até a Fonte da Pedra.

Assim que a procissão chegou à ponte do Mundico (final da Rua dos Operários) surgiu a grande questão por parte de muitos!

Podia o Santo passar na Rua das mulheres de vida fácil?

Os olhares entrelaçararam, os questionamentos surgiam, um mal estar se instalou.

Passar ou não passar?

Algumas beatas e madames da sociedade protestaram e não admitiram seguir o Santo até a Fonte da Pedra.

Seria absurdo fazer aquele trajeto.

Jamais colocariam seus pés naquele lugar de pecado, naquele antro de perdição.

Mas muitas pessoas acompanharam o Santo; o Padre, a Banda Santa Cecília, muitos meninos, poucos homens com ar de santidade e sem rabo preso, algumas curiosas mulheres.

No momento em que o Santo chegou ao local, foi brilhante a recepção, muitos aplausos e foguetórios.

Aquele dia ficou registrado na história de Itabira.

“O dia em que o Santo passou na Zona”

Marconi Ferreira
Enviado por Marconi Ferreira em 25/06/2010
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