O GAMBÁ, MEU VIZINHO E EU

Em crônica desastrada, ou desastrosa - tenho dúvida -, publicada semanas atrás, talvez porque estivesse frio e eu procurasse me aquecer; ou fizesse calor e eu pretendesse me refrescar, resumindo: depois de haver abusado de alguns aperitivos cometi a besteira de me comparar a um dinossauro!

Logo, um leitor atento fez o obséquio de corrigir. É que os ditos seres humanos, segundo a ciência, somente foram pisar a sola dos pés neste planetinha azul – passados sessenta e cinco milhões de anos após a extinção dos ‘dinos’. Portanto, tal comparação além de descabida, serviu para realçar a já notória ignorância porque sou distinguido. Sendo bonzinho, o professor convenceu-me de que ao situar minhas patranhas em épocas remotas, eu regredisse quando muito até o episódio da Arca de Noé, quando todos os animais - inclusive cronistas bissextos - foram salvos do Dilúvio.

Por falar na Arca, não acredito neste conto da carochinha pela simples impossibilidade em acomodar nela tantos bichos - de uma só vez e ainda machos e fêmeas -, numa convivência harmoniosa, quando no cotidiano devoram-se uns aos outros!... Certo é que um gambá, tempos atrás, apareceu no quintal da casa do meu vizinho. Para que a estória não fique igual a outra daquelas prosas fiadas, com que anestesio ouvidos alheios à volta de mesas de botecos, a bem da verdade convém registrar que em casa tenho um quintalão, sombreado por árvores frutíferas.

Pois não é que numa bela tarde primaveril, certo vizinho com fama de ranheta bateu à minha porta dizendo que iria me denunciar na Prefeitura, por estar dando guarida a um gambá ladrão, que toda noite adentrava ao sacrossanto recinto de seu lar para subtrair comida?! E pior, que eu desse, incontinente, um jeito de desaparecer com o tal larápio, ou cortasse as árvores do terreiro.

Sóbrio, quase não acreditei no que ouvira. Tenho eu lá culpa se um bicho faminto (com fama de feio e fedorento) adentrou à despensa de alguém? Frente a situação - digamos, um tanto exótica -, achei por bem recorrer aos ponderados conselhos do meu amigo Titão da Eletrônica, que nos momentos catastróficos usando de sua veneranda fleuma de monge budista, sempre aponta a decisão mais sensata. - Ih, é fria, irmão! Com as leis de hoje se você matar um homem, pagando bons advogados, poderá sair livre. Mas se o morto for um tatu, um papagaio... sinta-se ferrado. Crime inafiançável. É cana dura e sem direito a recursos em tribunais superiores!

Final da ópera-bufa. No dia seguinte, procurei o tal vizinho encrenqueiro e assim, na bucha, mandei ver: - Tá bom, eu mato o gambá, mas antes me apresente a certidão de nascimento do bichinho, reconhecida em cartório, provando que ele nasceu no quintal da minha casa! Até hoje tal documento não me foi entregue, e a bicharada - com o gambá, sua respectiva gamboa, e um punhado de gambazinhos - continua desfrutando de liberdade e azucrinando a vizinhança. E tomara que assim seja, por muitos e muitos anos, como se dizia ao final das estórias contadas antigamente.

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 28/06/2010
Reeditado em 13/03/2011
Código do texto: T2345550