Minha rua predileta

Minha rua predileta

Um dia meu pai noticiou: “Vamos mudar de casa.” E uma voz em mim sorriu misteriosamente. Aquele lugar cercado de lojas e quitandas, com um asfalto quente, onde não se podia brincar, ficaria para trás. Morar ali, embora fosse perto da escola, era uma vida sem alegrias.

Haveria pouca coisa a esquecer: a calçada e o modo do sol bater-lhe toda tarde. O nascer da lua era-me naquela rua, tão estranho! Silenciosa e quieta sem os olhos vivos de outras crianças. Morar ali, a chuva caía nas telhas dos comércios e escorria rua abaixo sem barquinhos de papel Como alguma flor distraída cresceria naquele mundo ausente de borboletas?!

Meu espanto é que tudo quanto é belo, logo se encheu dentro de meus olhos: Vi surgirem agradáveis vizinhos, uns pés de cajus e de atas e uma porção de flores pequeninas e vermelhas, que lambiam o peitoril das janelas de madeira na nova casa. E não foi porque as brincadeiras de roda aconteciam no meio da rua e Seu Nélson sabia contar histórias de lobisomem e da mula-sem-cabeça, que eu tenho ainda na memória a casinha de piso de tijolos num tempo infinito de minhas lembranças!

Tive muitos endereços, nos quais o luar se escondia e brincava de faiscar por trás das barbas negras das nuvens. Ah, quantas vezes não fiquei ao anoitecer aprendendo com os pássaros nos galhos das figueiras! Muitos deles tinham mudado de ninho e seguiam cantando sem receio, sem tristeza, sem saudade!

Mas acabaram-se as mudanças! É tempo de se morar com os filhos!... E depois de tantas casas, eis-me num quarto novo, virado pro nascente, pensando na menina daquela rua que falava e falava... E erguia o ouvido para aprender coisas bonitas (Tem até uma língua que passarei a meus netos):

“Sepe espestapa rupuapa

Fopossepe mimpinhapa

Epeu mampandapavapa

Lapadriprilhapar...

Todas as manhãs, um sabiá me canta na janela... E me sinto visitando aquela rua!... E ouço os trinados de quem foi muito feliz na mais legítima infância!...

... E onde moro há uns netinhos saltitando num céu azul pincelado de nuvens brancas!...

Para minha amiga Dadá, com todo meu carinho.

Teresa Cristina flordecaju
Enviado por Teresa Cristina flordecaju em 29/06/2010
Reeditado em 11/11/2010
Código do texto: T2348109
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