Mormanno e Mormannolos

Ao avistar as luzes de Mormanno, sentia mais perto a realização do desejo de menino - conhecer a terra onde nascera meu pai. Estava fazendo o caminho inverso, o que o trouxe ao Brasil.

Era 13 de outubro de 1990, dia do meu aniversário. Depois de doze horas de trem entre Ravenna, norte da Itália, até a cidade de Sapri, desembarcamos na estação e nos esperava Pietro Sangiovanni, filho do irmão mais velho de meu pai, Luigi, de onde veio a inspiração do meu nome.

De Sapri até Mormanno são aproximados 40 quilômetros, de carro. Era o último trecho a percorrer. Foram tantas as perguntas feitas por Pietro enquanto eu pensava o que levou uma pessoa a colocar a sua família a tiracolo e parar em Poções. Que coragem era aquela? Largar parte da família para aventurar-se em terras desconhecidas? - dez mil quilômetros de distância.

O carro de Pietro deixou a auto-estrada A2 e seguiu o acesso a Mormanno. No início da rua principal estavam os mormannolos, aqueles que ficaram com o outro lado do coração partido pela saudade e com a falsa esperança de um dia reunir, de vez, a grande família.

Era o meu coração que apertava. Afinal, conhecia todos por fotografias. Eles também me conheciam. Chamavam por meu nome e estendiam as mãos para tocar-me. Se um dia eu fui Deus (vide coluna “A mão de Deus”), naquele eu era rei. Ainda mais que fizeram bolo e cantaram parabéns para mim.

Eu não queria acordar daquele sonho. Em companhia de Bete, minha mulher, tios, primos e parentes tive direito a vinho e “sopressata” (irmã daquela lingüiça que minha mãe e tias faziam em Poções). Dois produtos totalmente caseiros.

Naquela semana que passei em Mormanno, procurei algumas coisas que fossem paralelas ao cotidiano e que tiveram convivência no nosso meio. Os homens, por exemplo, vão para a missa de paletó e gravata – era um hábito dos italianos de Poções. O aproveitamento das áreas dos pomares com culturas diversificadas. Os passeios noturnos de casais nos passeios da Rua da Itália. O rigor no horário das refeições e outros tantos paralelos.

A cidade tem características bem próprias à sua cultura. Fundada no século VII, ela fica no alto de uma montanha. Naturalmente se defendia de invasões. As casas são disformes, aparentemente velhas por fora, mas de extremo conforto no interior. Os aposentados, que representam 40% da população, recebem U$ 1,200 e as mulheres que tiveram atividades no lar U$ 600 cada.

O trânsito na cidade é muito interessante. Tem apenas uma rua principal que não dá para passar mais que dois carros por vez. Existe uma grande quantidade de Fiat´s de 500cc próprios para circularem pelas outras ruas. Quem estaciona em local proibido tem o carro preso e rebocado, sem perdão, numa cidade de pouco mais de 4.000 habitantes onde todos se conhecem.

A economia da cidade é definida no “pezzo”, um grande banco de cimento, ao lado da Catedral, onde os homens sentam-se e comercializam o vinho que ainda vai ser produzido. Também se discute futebol e política, paixões daquele povo.

Nesta semana, precisamente o dia 15 de agosto será feriado nacional na Itália. Em Mormanno, festeja-se a Festa dell´Assunta. Esse dia é chamado de Ferragosto, o mais importante do ano. É a nossa Festa do Divino.

A coluna dessa semana é dedicada à “memória italiana” na nossa cidade e as poucas culturas ainda remanescentes. Aos italianos de todas as regiões que escolheram Poções como terra natal e aos mormannolos e descendentes, autenticamente representados ainda por Francesca Fasano Sarno e os seus filhos Fidélis (Fidelão), Vincenzo e Maria Teresa. Michele e Sola. Um pouco mais longe, mas com os corações voltados para Poções estão Pepponi e Dr. Antônio Libonati em Salvador e Nunzia Libonati no Rio de Janeiro.

Também dedicada aos meus filhos Ricardo e Carla, que neste dia 15 estarão em Mormanno, abrindo a convivência com a nova geração, resgatando e atualizando a ligação com o passado.

Luiz Sangiovanni
Enviado por Luiz Sangiovanni em 07/09/2006
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