Caso do brigadeiro

E então eu era garota, mas bem garota mesmo e inventei de ter vontade de comer brigadeiro. Brigadeiro rima com poesia, candura na alma, amizade profunda. Felicidade! Indescritível o sabor, a consistência, o formato daquele doce!

Mas eu era garota e, em São Paulo no início dos anos 60, eu não sabia o motivo do sumiço do leite condensado. Minha mãe procurava nas vendinhas próximas à nossa casa, no empório do seu Altino, o meu pai tentava procurar o produto perto do seu local de trabalho. A minha mãe chegou até a pedir para as suas colegas – professoras do SESI – para que, caso encontrassem o doce, comprassem uma lata e teriam o reembolso imediato. Mas nada de Leite condensado que, na época, era apenas da marca Leite Moça. O tempo ia passando, mas, criança quando tem vontade, pensa na guloseima com uma freqüência impressionante!

Eu sei que os meus pais se preocupavam, ficavam sentidos por não terem condições de me atender. Eu enxergava pouco, me sentia bastante limitada, muito quieta e isso os entristecia. Felizmente não ficavam me mimando, fazendo todos os meus gostos, mas sempre evitavam que meu irmão e eu passássemos vontade de comer alguma coisa. Eu jamais me esqueci de uma história muito constrangedora que o meu pai contava dos seus tempos de infância. Ele havia conseguido dois pedaços de rocambole numa situação que eu não sei precisar. Um pedaço seria dele e o outro da irmã. Mas ele começou a comer também a parte que caberia à irmã, sobrando um pedaço pequenino demais para a mesma. Ele contava isso com um sorriso amargo, porque guardou uma imensa culpa por não ter feito a partilha de forma correta. E então eu sei que eles jamais queriam que ficássemos com alguma vontade não resolvida.

Aí a minha avó teve a iluminação: resolveu fazer primeiro o doce de leite em casa para depois adicionar o chocolate em pó. Eu ainda me lembro da cena tão impressionantemente humana e cheia de beleza. Na mais absoluta simplicidade, a minha avó Noêmia ao lado do fogão, misturando pacientemente o doce de leite para que não grudasse ao fundo da panela, tirando a “puxa” – aquele pouquinho de doce num prato com água para perceber se a consistência estava adequada para a retirada do fogo. E depois, com a lata de Nescau na mão, ia retirando as colheradas e adicionando ao doce de leite já quase pronto. Esse foi o brigadeiro mais especial da minha infância. A solução para uma vontade infantil veio da criatividade, da simplicidade, do carinho da minha avó, já com alguma idade, mas em pé, ao lado do fogão do nosso apartamento da rua D. Duarte Leopoldo, no bairro operário do Cambuci, em São Paulo. Mas o doce também teve espaço na preocupação e no coração dos meus pais para que eu não ficasse por muito tempo com aquela vontade tão grande e não resolvida.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 01/07/2010
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