ENCONTRO MARCADO

Éramos seis. Nossos pais e quatro filhos. Três mulheres e um homem. Na verdade éramos sete, porque desde que nasci já fazia parte da nossa família uma tia por parte de mãe que era mais que tia. Tia - mãe.

Meu pai tinha um comércio de tecido. Naquela época não havia tantas fábricas de confecções e os tecidos eram comprados em metros. Eles tinham lindas padronagens. Muitas fábricas hoje já nem existe mais. Os alfaiates e as costureiras os transformavam em blusas, saias, calças, vestidos, paletós etc. Lembro – me muito bem da fábrica Bangu (1889 -2005) e cambraia cavalinho tecidos muito vendidos na nossa loja. Outro bastante requisitado era o linho.

Minha mãe dava expediente diariamente na loja ajudando meu pai. Meu irmão e minha irmã mais velha quando não estavam estudando também davam uma mãozinha. Em casa sempre tínhamos uma doméstica que colaborava com os serviços mais pesados da cozinha tudo sobre a orientação da matriarca. A tia ficava mais dedicada aos sobrinhos. Era com ela que dormíamos aconchegados nas noites de medo. Medo de lobisomem e de alma.

Embora com todo esse aparato eu , a caçula, e minha irmã, que nasceu dois anos e meses antes de mim, cuidavamos dos requintes da casa. A tarefa de varrer, lustrar os móveis cabia a nós. A irmã mais velha só fazia desarrumar e isso gerava tamanha confusão.

Os dormitórios da nossa casa eram de taco. Pedacinhos retangulares de madeira que se encaixavam no chão formando desenhos. Diferente do assoalho que era tábua corrida. Toda semana eu e minha irmã encerrávamos aquele espaço. Passávamos manualmente no chão a Cera Parquetina de cor avermelhada e depois lustrávamos passando o pano no chão. Só depois chegou a enceradeira elétrica.

Antecedia a toda essa trabalheira uma boa varrida na casa e a retirada dos móveis mais leves para que o serviço ficasse de qualidade. Em um desses dias de faxina quando a casa estava toda revirada e engraxada faltando fazer o mais difícil lustrar o chão e repor os móveis aos seus devidos lugares, recebemos uma visita. Era mais ou menos a 16:00 horas, ela chegou buzinando insistentemente seu Jipe 51, convidando – nos para darmos uma volta até o Igara Clube. Este clube ficava na beira – rio, ponto de encontro dos jovens naquela época. Minha irmã, colega de faxina, adiantou-se explicando a impossibilidade. Ao conduzir a amiga até a porta não resistir ao seu insistente convite e adentrei no carro sem avisar a ninguém e do jeitinho que estava de casa. De short, cabelos desalinhados, mas com a beleza e o encantamento própria da idade. Meus quatorze aninhos.

Passamos várias vezes na porta do Igara Clube, íamos e voltamos. Rapazes e moças estavam ali “trocando figurinhas”. Um grupo de jovens nos olhava com certo interesse e a colega resolveu estacionar o Jipe 51. Dois dos rapazes se aproximaram e aquele que veio a minha direção falava como se já nos conhecêssemos. Referia – se a festa do dia anterior na qual havíamos dançado. Com meu pensamento ágil erápido compreendi que ele estava me trocando pela minha irmã que naquele exato momento já devia ter sentido a minha falta. Fingi que era ela e acertamos um encontro para aquela noite. Pronto! Encontro marcado!

Cuidamos de voltar. Na verdade fui seqüestrada pela minha colega. Tinha gente esperando a minha volta e sabe Deus como ela estaria. Já esperava os desaforos e com certeza minha atitude chegaria aos ouvidos de minha mãe. Um castigo era o mínimo que me esperava.

Chegamos. Minha irmã foi a meu encontro. Olhos arregalados, gritando que nem sequer entendia suas palavras. Minha arma! Ah! A minha arma. Só tinha ela para apaziguar o clima. Gritando mais alto ainda disse: MARQUEI UM ENCONTRO PRA VOCÊ HOJE A NOITE COM AQUELE RAPAZ QUE DANÇOU MUITO COM VOCÊ NA FESTA DE ONTEM.

Pense, água na fogueira! Nem fumaça. Tudo se acalmou e ela interessada quis saber de todos os detalhes. Na verdade, ou omiti no início desta história que apesar da diferença de idade nós éramos muito parecidas. Quase gêmeas. Até meu pai chegou a nos confundir um dia.

E nós fomos juntas ao encontro. O interessante é que ele se dirigiu diretamente a ela como se nunca tivesse me visto.

Maria Dilma Ponte de Brito
Enviado por Maria Dilma Ponte de Brito em 07/07/2010
Reeditado em 26/04/2020
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