ROMARIA EM APARECIDA DO NORTE

Numa tarde com muito sol e nenhum vento, em que o mormaço estava, como diziam os antigos: “de arrebentar mamona”; fui à sorveteria Avalanche para um sundae, afinal também sou filho de Deus! Próximos ao balcão, mocinhos e mocinhas, naturalmente irrequietos e barulhentos, reclamavam da vida. Sem querer querendo ouvia-lhes os lamentos juvenis, de como Bom Despacho é uma cidade provinciana, oferecendo tão poucas opções para que se divirtam. Fiquei matutando: juventude ingrata! Vocês precisavam ter vivido aqui em anos passados. Realmente, não se tinha quase nada para fazer, mas aí estava o melhor da festa, a gente inventava. Caramba! E como que entrando, mentalmente, numa destas máquinas do tempo vistas nos filmes de ficção científica, por instantes retornei aos meus verdes anos, à mesma idade deles, adolescente, viajando naquele ônibus rumo a Aparecida do Norte!

Podem rir à vontade, benevolentes leitores, mas esta romaria era parte do imaginário de qualquer jovem, naqueles anos de chumbo. Calculem quanta aventura representou o tal passeio, para este capiauzinho que além de Bom Despacho conhecia meia dpuzia de outras cidadezinhas do interior mineiro. Se uma grande fé remove montanhas, desconfio que no meu caso, de tão insignificante, ela mal dê para tirar a poeira que se assenta no tampo da escrivaninha....

E lá fui eu, coração cantando, não para cumprir promessa. Enquanto os mais velhos se empenhavam em novenas, vias-sacras, missas... Com o Juninho - companheiro de jornada -, me embrenhava naquele cipoal de ruas, em busca da maravilha jamais vista em nossa terra: o shopping - um disparate de lojas coladinhas, vendendo mil e uma coisas. De cara, compramos camisas de times de futebol: eu a do Fluminense, de cores berrantes (revelando meu possível pé na cozinha?), ele a do São Paulo (também sinal de que algum antepassado visitara as mucamas?). Todas duas de numeração bem maior, para o caso de encolherem na primeira lavada.

Depois do jantar, quando os adultos voltaram à Basílica da Padroeira, para as confissões, demos um jeitinho de conhecer a night - que prometia animada! Fomos a um parque de diversão proclamado como o melhor da América Latina! Enquanto meu amigo se esbaldava em rodas-gigantes e tobogãs, que sempre evitei por causa das vertigens que altura me dá, descobri uma tenda de zinco - paredes e teto -, como um barracão de ordenha e ali anunciado o imperdível show da Mulher Gorila. Num cercado, que com boa vontade se acomodariam trinta pessoas, nos espremíamos mais de duzentas!

No show, uma linda mulher, mais fora que dentro do biquíni cavadíssimo, por meio de jogos de luzes, espelhos refletidos, fumaça... foi se transformando. O som estridente vindo de alto-falantes, nos cantos, fazia crer que o pesadelo todo era realidade. Até que a certa altura da performance, arrombando uma das grades da jaula em que estava presa, a mulher - já metamorfoseada em Gorila - fez de conta que ia pular sobre a primeira fila de espectadores. Foi um verdadeiro Deus-nos-acuda! Gente gritando aterrorizada; outros pisoteados... No meio da confusão o Juninho foi jogado no palco, aos pés da deusa-fera. Até hoje não sei dizer como saímos daquele inferno, em tamanho de lata de sardinha! Já de fora, deu pra ver que de medo meu colega se cagara até aos pés. A solução foi esconder a roupa suja num matinho próximo, e ele só de camisa do São Paulo, comigo correndo atrás, voltarmos pro hotel cantando o hino de todas as torcidas bom-despachenses: “É osso, é osso, é osso de galinha, arruma outro time pra jogar com a nossa linha!!!”

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 10/07/2010
Reeditado em 27/02/2012
Código do texto: T2368716