FIM DE SEMANA ATÍPICO

Foi "o fim de semana". Explico melhor: Fazia tempos que com essa correria típica da Sampalândia, não saía a passear com a família. Mas dessa vez fui, levei a musa, os guris, e junto meu sobrinho e um afilhado. E mais ainda: o Giba e a Tatinha, cumpádis & amigos (aliás, mais-que-irmãos), foram também.

Pra melhorar essa história, fomos batemr cartão lá em Monteiro Lobato, cidadezinha distante duas horas de casa, encravada aos pés da Serra da Mantiqueira, entre São José dos Campos e Campos do Jordão, bucólica e aprazível que só. Para se ter a dimensão do lugarejo, digo que lá não tem Bradesco ou Itaú. Só por isso, dá pra se imaginar que é lugar tranquilo, de gente sossegada, humilde e hospitaleira, uma pracinha central cheia de artesanato colorido e alegre, comida farta, povo descontraído, pouca correria, pouco carro e - essa a notícia ruim - muito jovem bebendo, bebendo até de cair.

Pois bem, fui lá visitar e trocar ideias com o Dailor Varela, amigo poetaço, daquele time que assombrou o Brasil de 60 com o Poema/Processo, um ponta-de-lança que atuava junto com Moaci Cyrne, Nei Leandro, Falves, Marcos, Sanderson e outros guerrilheiros que ousaram arrancar a poesia dos cadernos e dos livros, tirá-la do seu lugar-comum, e levaram-na às praças, aos happenings, aos saraus, às exposições, às instalações, e viram-na tornar-se símbolo, signo, pão a ser comido, arte a ser exposta, seiva a ser sorvida. Tudo isso longe do universo da palavra. Não conseguiram manter essa radicalidade, é verdade (ou melhor, conseguiram alguns bons resultados), mas ajudaram a cimentar o asfalto por onde hoje trafegam Tom Zé, Arnaldo Antunes, Hugo Pontes, Philadelfo Menezes e tanto outros que tiraram poesia de palhetas, pianos, martelos, pincéis, computadores, feixes de luzes, projeções e outros meios.

O Dailor é um anarquista nato, sem pressa de nada, seja ouvindo os indefectíveis Bob Dylan, Caetano Veloso, João Gilberto, Frank Zappa e Rolling Stones com a mesma paixão adolescente, ou então embebedando-se de João Cabral de Melo Neto, seu cereal diário. Aos punks de plantão, que acham que sabem algo sobre o anarquismo, sugiro um dedo de conversa com o velho Dailor, que fica colhendo, cerzindo e comendo raios de sol da janela de sua sala em Monteiro, enquanto compõe novos versos. Pra completar, infundiu o mesmo prazer em sua filha Máh Luporini, ela também poeta de mão cheia, e já às voltas com o seu primeiro livro, Ausências.

Ficamos todos lá na terra do Sítio do Picapau Amarelo, dando ótimos passeios a pé pelo meio do mato, joguei até uma bolinha com meus filhos e os filhos de outros, troquei muita ideia bacana com o Giba, um irmão que adotei já fez uns 25 anos e desde então se torna mais e mais parceiro de minhas paixões, namorei bastante, tomei banhos à beça, de piscina e outras águas mais naturais, comi, dormi pracaraio, curti um ótimo show do Déo Lopes e seu humor infatigável nas belas canções juninas e julinas na pracinha acanhada (mas festiva) da cidade, coloquei todos os dedos na prosa carregadas de histórias pitorescas do Dailor (Lê-se Dai-lôr, no sotaque típico do interior de São Paulo), e voltei pra casa abastecido.

Agora estou aqui, regurgitando o excesso de meu contentamento. Espero estar contaminando vocês com a mesma violência gostosa com que fui apanhado nesse redemoinho de prazeres que foi o meu weekend em Monteiro Lobato.