PROGRAMA DE ÍNDIO
Para a desprestigiada classe dos maridos, nas ditas artes culinárias sou um desastre tão vexatório, que se chamado de último zero à esquerda soaria como elogio! Nunca me aventurei a coar café, fritar ovo, picar tomate, lavar alface para a salada... Meus recursos nesta área da casa resumem-se a manusear um abridor de lata de sardinha, ou garrafa de cerveja, quando muito. Do que servem lanchonetes e self-services? As gozações são tantas que, sendo o último a entrar na cozinha para servir o prato nas refeições, nunca falta um gaiato para buzinar nos meus ouvidos, imitando a voz do Galvão Bueno: - E, finalmente, o Rubinho-bate-quebra apareceu na reta das panelas!
Porém, e como sempre há um honroso porém, desconheço outra pessoa que melhor lave pratos, copos e vasilhames que o humilde rabiscador destas mal-traçadas linhas!
É bem verdade que - para desespero da senhora cinquenta por centro (a tal comunhão de bens no casamento...) - a torneira fica aberta o tempo todo, gasto uma sacola de bombril por vez, e um frasco de detergente é pouco. Mas e daí? O que conta é o asseio. Não importa se ao final a cozinha virou piscina, o ralo da pia entupiu, e coberto de espuma dos pés à cabeça, eu mais pareça um gordo boneco de neve!
Engraçado, todo homem metido a cozinheiro - talvez pra se valorizar - gosta de dizer que o ruim do ofício, é ao final da performance lavar os talheres. Pois justo aí eu me dou bem! Não por outra razão, embora sabendo da minha pouca estima por pescaria, alguns amigos conseguiram me arrastar para um fim-de-semana pelas barrancas do Rio São Francisco. Não sei que graça pode haver em enfiar-se na água barrenta, até ao pescoço, armando redes; emporcalhar os dedos com isca para anzóis; jogar baralho sem valer grana; ficar bêbado no meio do nada, ouvindo piadas repetidas... Só se existe algum atrativo no programa, que não me revelaram.
Pescaria... Acaso vou deixar o conforto da cidade para embrenhar-me no mato, ser ferroado por marimbondos, comer arroz cheio de marinheiro, frango com penugens, verduras murchas, beber água morna, dormir naqueles colchões jogados sobre catres, não se sabe há quanto tempo ali, podendo debaixo esconder bicho peçonhento... É ruim, compadre! Por dinheiro nenhum deste mundo eu passaria a noite dentro daquilo, a que meus companheiros teimavam em chamar de rancho! Apesar das gotículas de sereno condensadas no teto do carro, me fazendo tiritar a noite inteira de frio, embirrei lá dentro. Somente com o dia claro me toquei, porque ainda de madrugada, dois colegas cheirando a desodorante e com roupas limpas, dizendo-se preocupados que eu pegasse pneumonia, quiseram me desalojar; meia hora depois voltaram, com um papo de que a cerveja havia acabado e eles iam até o povoado mais perto, repor o estoque... no carro.
Com o sol acima do arvoredo, resolvi pegar um refrigerante na caixa de bebidas; vendo que ela estava pela metade com louras-geladas, tardiamente atinei de que fui eu quem bancara a ‘loura’, empatando-lhes o veículo com que buscariam outros folguedos de pescadores... Como castigo, meu amigos juraram que em pescaria deles eu jamais colocarei os pés, novamente. Não tou nem aí. Pra mim, pescaria é o maior programa de índio!