A orelha não!

Sempre posterguei ao máximo a visita ao barbeiro. Quando criança lembro-me que fugia do meu pai pois sempre cortavam o meu cabelo bem curtinho, como um reco. Os adultos achavam bonitinho ver um japonesinho quase careca mas eu não gostava nem um pouco. Quando chegava na escolinha com o novo corte os coleguinhas costumavam caçoar: "carequinha, carequinha!". Traumas da infância superados, talvez ainda existam alguns vestígios remanescentes no inconsciente.

E o que me aconteceu semana passada foi algo inesperado, inusitado, doloroso. Em mais uma de minhas visitas, o mestre barbeiro em um falso movimento com o seu afiado instrumento de trabalho ao invés de aparar o meu cabelo, aparou a minha orelha, bem naquela parte de baixo mais carnuda. E não foi um corte superficial, a tesoura fez uma pequena dilaceração e o sangue começou a pingar rapidamente. Na hora pensamos que precisaria de uma sutura. Extremamente preocupado e constrangido, o barbeiro correu para fazer os primeiros socorros. Deitou-me em uma daquelas cadeiras para lavar o cabelo e iniciou o seu procedimento cirúrgico, estancando o sangue com algodão e fechando o corte com um band-aid improvisado.

Tivemos que terminar o corte de cabelo, eu é que não sairia de lá como se usando uma peruca assimétrica e band-aid ensanguentado na orelha. Atônito e ainda sem entender como aquilo foi acontecer, ele pediu mil desculpas, não cobrou o corte e se prontificou a pagar as despesas médicas. Disse a ele que se fosse para cortar uma orelha que fosse a minha pois não sou do tipo de fazer cena, sorte a dele. Já pensou se fosse uma mulher, daquelas bem vaidosas e afetadas? Caberia até um processo por danos estéticos: paga para ficar mais bonita e ganha a orelha do Frankenstein. Absurdo. Quanto a ele, sem ressentimentos. O camarada é gente boa, errou. Levo ao pé da letra uma das máximas bíblicas que diz que o perdão vem junto com o arrependimento sincero.

Depois, fui ao pronto-socorro e a enfermeira disse que a sutura não seria possível pois o local era de difícil acesso ao manuseio da agulha. Então, ela aplicou uma cola biológica e colou a minha orelha, disse que era tipo um Super Bonder só que para ferimentos. Fui trabalhar de orelha colada. Mais tarde o barbeiro me ligou perguntando como eu estava, se estava tudo bem. Disse que sobreviveria e que se a orelha não resistisse, ainda tinha a outra.

Então fica aí a sugestão: pessoal, não conversem com o barbeiro enquanto ele estiver trabalhando. Principalmente se você for corinthiano e ele não. E o que fica agora é a cicatriz. Quando perguntam digo que lutei com Mike Tyson, ainda rende algumas risadas. A próxima visita ao barbeiro? Na próxima Copa, quem sabe.

Julho de 2010