Sinais
Eu não sou cismada, nem fico vendo chifres em cabeça de cavalo. Ainda bem porque de vez em quando me acontece cada coisa que dá até para desconfiar de que alguém está me mandando algum tipo de sinal.

Eu estava pronta para viajar, sair de férias por duas semanas e nem estava pensando muito no assunto. Quando chegou a hora de fazer as malas, fiz, porque do resto se ocupa o meu companheiro de viagem. E então deixei algumas coisinhas para a última hora, coisinhas mesmo, que costumo resolver andando em um pé só. Como andar com um pé só é coisa que só consigo fazer dando um único passo, é isso mesmo que quero dizer – em um minuto estaria tudo pronto. Foi aí que a confusão se instalou.

- Primeiro fui ao Correio – eu precisava mandar uma correspondência preciosa para a Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro. Sedex com AR – tudo pronto. Já havia combinado, pagaria em espécie. Mas onde estava o dinheiro? No banco, eu ainda não havia tirado. Posso pagar com cartão? Poderia se tivesse avisado antes. Bom, e agora? Sem desespero combinei com o atendente:Vou até a minha Fábrica de Pães e dentro de cinco minutos o dinheiro está aqui. Assim fiz, pedindo a um funcionário que fosse até o Correio e procurasse um jovem assim e assado que atendia pelo nome que não me lembro agora. Eu tinha outras coisas urgentes para fazer e o tempo passara além do previsto – corri até a loja da esquina, precisava comprar alguns artigos para colocar na minha nécessaire – Aceita cartão? É claro, aceitavam, só que o meu cartão não existia. Dois cartões inexistentes. Mas como, ontem mesmo comprei com eles, aumentei o meu limite no banco? Sinto muito, está aqui, conta inexistente. Tudo bem, passei o cartão da firma e a conta foi paga. Corro para o Banco, também pertinho. Eu estava ziguezagueando. O que eu ia fazer? Transferência de dinheiro da Poupança para a Conta corrente, garantindo que minhas contas seriam pagas em minha ausência, transferência para do meu débito pessoal para a conta da minha fábrica de pães e pegar um dinheirinho extra para levar na viagem. O que fiz? Usei novamente a conta da Firma porque segundo o Caixa Eletrônico o meu cartão não existia. Como pode não existir algo que estou segurando em minha mão? Mas nem pensei muito: desabalei rua abaixo passei na oficina onde o meu carro estava à espera para consertar o rádio que ainda não estava pronto então mais uma vez saio em disparada para casa onde o motorista já me esperava. Dou-lhe as chaves do carro, peço lhe que vá buscá-lo enquanto eu pego os cartões já guardados em minha bolsa de viagem. Vou ter que conferir, pensei, não posso viajar sem cartões. Disparo para o Banco onde checo os novos cartões... tudo certo. Aí devolvo para a conta da Firma o que havia tirado e volto para casa aliviada, mas cansada. Já estava uma hora atrasada.

Deixando para pensar depois pegamos o carro e vamos embora e aí, depois de rodar quase meia hora, entrando na Fernão Dias, um estalo!...Esqueci a chave do cadeado da mala... e agora, ir em frente e só descobrir a falta do cadeado em Paris? E como fazer para abrir a mala? Arrombar?Pedir um chaveiro na Portaria?  Foi só um segundo... falei: vamos voltar, chaves esquecidas. Minha irmã estava lá, em minha casa, torci para que ainda não tivesse ido embora. Chamei pelo celular. Pedi-lhe que nos esperasse com a chave na porta e um lencinho para amarrar na mala para diferenciá-la das outras e ela quis saber onde estava o roteiro de viagem que sempre deixo quando viajo. Sabia lá eu onde estava? Não. Então, ao nos aproximarmos de casa enviei o carro para buscar as chaves, parei em uma papelaria e mandei xerocar o roteiro. Quando passei na minha Fábrica de Pães para deixar o roteiro o carro já me esperava. Mais outra hora de atraso. Pensei: depois esse avião cai, eu chego lá em cima e meu Anjo da Guarda ainda vai brigar comigo: Você não viu os sinais que enviei para você não tomar esse avião?
 
Apesar disso tudo, apesar da carreta tombada na Rodovia com as rodas para cima como uma centopéia deitada de costas, relaxei. Que sinal que nada, pensei. O único sinal que estou percebendo é que estou cada vez mais lerda e isso sim pode ser um sinal ruim só que vou pensar nele só quando voltar. Principalmente quando vi Madalena, que viajara conosco ano passado, sorrindo pra nós junto à fila do check-in. Ela iria de novo conosco, nada poderia dar errado. E nem quando na fila de embarque dei por falta de meu casaco eu me abalei. Simplesmente disparei atrás do carrinho onde eu carregara as malas e onde certamente o deixara. Após alguns desvios e esbarrões eu o avistei e mais rápida que qualquer mão, retomei a sua posse. Sinais? Que nada, eram apenas situações aos quais eu já estava acostumada. Foi só no avião que atinei qual tinha sido o problema dos cartões – eu validara dois novos cartões para viajar e ao fazer isso os velhos perderam automaticamente a validade – algo assim como se fossem cartões da categoria “lata” substituídos pelos de “prata”. Acho que se eu continuar assim um dia vou me dar mal.