O Fim de Um Amor

- Você vem que horas? – Perguntou ela.

- Só vou tomar banho e to indo. – Explicou ele – Vai me esperar?

- Se você preferir eu posso ir praí ...

- Não, não precisa. Eu já estou no banheiro e meu banho é rápido. Que horas são agora?

- 18:02.

- Chego em menos de quinze minutos. O ônibus da faculdade passa aí mais ou menos as 18:36. Você ta na praça não é?

- É.

- Certo. Então ta... tchau.

- Tchau...

Ele jogou o celular na pía onde as roupas que tirara a pouco amorteceram a queda. Firmou uma das mãos na torneira metálica do chuveiro. Dobrou o outro braço encostando-o no azulejo frio e molhado da parede, afundou nele a cabeça e fechou os olhos por alguns instantes. Não cantou. E o seu silencio estranho foi interrompido pelo precipitar das gotas finas e mornas da água que percorrendo agora o seu corpo nu levava consigo as ultimas lembranças.

Deslizou a mão, que ainda estava pregada à parede, por entre os cabelos e desenhou todo o seu corpo. “Por quantas vezes ela não teria feito aquele mesmo gesto?” Balançou a cabeça e quis soltar um grito como se de todos os pensamentos aquele fosse o único que não poderia ter naquele momento e, no entanto, mesmo com os olhos fechados viu sua áspera e inoportuna mão tocar suavemente a pele doce e meiga que vestia perfeitamente o corpo daquela que não era mais sua. Fechou o chuveiro e ao sair nem sequer percebeu que a eternidade que imaginara ter permanecido naquele cubículo, correspondia a pouco mais de um minuto.

Na praça ela aguardava sozinha. Seu olhar era firme e fitava um ponto indeterminado. Quase não se movia, a não ser em pensamentos, os quais agora buscavam uma explicação para o que estava prestes a acontecer. E ela sabia perfeitamente o que ocorreria em instantes, ainda que houvesse negado freneticamente para si mesma, todas as circunstâncias mostravam que aquela conversa diferiria de todas outras que tiveram naquele mesmo banco daquela mesma praça. Rejeitou a papelada comum do seu trabalho, o momento tirava-lhes toda importância que ela mesma lhe atribuíra durante todo o tempo.

Em um banco a sua frente, adolescentes uniformizados satirizavam as aulas que acabaram de ter no colégio. Entre eles um casal de namorados abraçados ria e de vez em quando se beijavam arrancando dos outros assobios e risadas ainda mais altas. Ela olhava para eles, porém não os viam. “Quantos vezes nós nos beijamos?” Pensou e repetiu mentalmente a cena do seu primeiro beijo.

Ele chegou atrasado. Já havia perdido o escolar e teria que aventurar conseguir uma carona para a faculdade a fim de organizar o trabalho em grupo que apresentaria na próxima semana. Ela ajeitou-se no banco, olhou-o nos olhos e abaixou a cabeça lentamente. Ele também não a encarou, ofereceu-lhe um simples boa noite e sentou-se colocando entre eles o livro que trazia. Pediu desculpas pelo atraso e fixou os olhos no ponto indeterminado que a pouco ela fitava. Não a beijou.

- E aí? Tudo bem com você? – Perguntou ele olhando-a de imediato e voltando-se para o inexistente.

- Tudo. – Respondeu ela alguns segundos depois. – Você vai para a faculdade?

- Tenho que ir. – Foi a vez dele permanecer em silêncio. – E a gente como fica? – Adiantou.

Ela curvou a cabeça para o lado oposto e retornou até reencontrar o rosto dele. Sob a lente dos óculos era possível notar uma camada de lágrimas que a muito se recusara precipitar-se olhos abaixo. Os seus lábios contraiam-se quase que imperceptivelmente. Havia chorado. E o seu olhar vermelho e inchado a denunciava.

- Você é quem me diz. O que você decidiu? – Indagou.

No dia anterior também conversaram. Era Domingo e buscavam resolver um desentendimento que tiveram na Terça-Feira da mesma semana. Não se falaram e nem se viram durante esse intervalo de tempo. No entanto, pensaram. Ele em o quanto era arriscado persistir e ela no quanto ambos precisariam mudar para continuarem juntos.

Disseram tudo isso no Domingo. Ela sugerira que esquecessem aquela semana e que tentassem mais uma vez. Ele que pensassem um pouco mais. Adiaram o desfecho para o dia seguinte.

O momento era aquele.

- Olha... – Iniciou. – Eu pensei, pensei muito sobre nós. Relembrei o que nos aconteceu nesse um ano de namoro e... assim como você disse ontem, ao invés de progredirmos nós regredimos. E eu também acho: ao invés de alimentarmos esse sentimento, nós o matamos aos poucos, pelo menos em mim – explicou encostando as mãos no peito em um gesto de posse. – Preferia que não fosse assim, mas não vejo o continuar como uma boa opção.

Os intervalos entre uma frase e outra eram prolongados e desconfortantes. Ele odiava o silêncio que havia nos dois e dessa vez desejava calar-se como nunca.

- Sabe, - prosseguiu – acho que essa nossa distância, a sua frieza, a sua forma de amar e o meu jeito de ser, não nos permitiu sermos os namorados que queríamos. Desculpa, mas eu estou com muito medo de continuar.

Ela ergueu os óculos e deteve com um dos dedos uma teimosa lágrima. Sempre foi assim. Implacável, recusava a chorar e aprisionava as suas angustias no porão da sua alma, que de tão cheio, já se manifestava em carne viva em suas atitudes.

- Foi essa sua escolha? Perguntou com voz Trêmula.

- Infelizmente sim. – Respondeu com firmeza. – E você... Quer dizer alguma coisa?

- Não. Pelo visto, não vai ser possível mudar sua opinião.

Calaram-se. Parecia que todos na praça olhavam para eles e que aguardavam ansiosamente o desenrolar daquela história. Porém ninguém os notavam, e os poucos que chegaram a fazê-lo perceberam, ele com a cabeça curvada e com os dedos entrelaçados girando a aliança de compromisso que sozinho usara durante todo o tempo de relacionamento, e ela, segurando os óculos com uma das mãos e vedando com a outra os olhos, massageando-os de forma leve e pausada.

- É isso mesmo que você quer? – Quebrou ela inesperadamente o silêncio.

- Eu prefiro que seja assim.

- E se eu não quiser terminar? – Lançou a ultima cartada.

Uma pergunta imprevista. Ele imaginou uma conversa simples e rápida, onde ela também concordaria e ficariam numa boa, sem ressentimentos e sem sofrimentos póstumos. Enganou-se. Sua conclusão tinha por base o fato de ela ter sido quem sugeriu o termino do namoro em todas as brigas anteriores e, portanto, desta vez, para ele, ela também veria no fim a melhor saída para ambos. Mas aquela pergunta só poderia mudar sua decisão se ele não houvesse pensado no futuro olhando diretamente o passado. Ele pensou.

- Não é por você. Até queria que você me entendesse... Houve muitos momentos bons entre a gente? Houve! As três ultimas semanas, por exemplo, foram maravilhosas. Mas, não dá pra resumir nosso um ano de namoro apenas nesses momentos. Tivemos muitas, muitas brigas e às vezes por coisas bobas. E o pior, não acho que você tenha se entregado de verdade a esse sentimento.

- E você se entregou? – Interrompeu ela.

- Não! – Respondeu. Existia verdade em sua fala, nunca deu o melhor que sabia que era preciso dar naquele relacionamento. – Não... Porém não estou aqui negando minha culpa. Sei perfeitamente cada um dos meus erros e sei também quantas vezes meus sentimentos foram podados por sua causa. É por isso que fiz essa escolha.

- Mas a gente pode mudar.

Ela viu-se diante de um espelho. Estava se vendo nele, na frieza que há pouco tempo atrás era uma característica tão sua. E agora agia como ele sempre agiu contigo.

- Podemos. Mas sinceramente eu não sei se estou disposto a arriscar novamente. Na boa, acho melhor ficarmos por aqui.

Pegou o livro que estava entre eles disfarçando a distancia um do outro.

- Você quer dizer mais alguma coisa? – Instigou ele.

- Não. – Respondeu baixou.

- Não me leva mal não, mas tenho que ir agora. Vou ver se ainda consigo carona. – Arrastou-se até a ponta do banco. – Posso te pedir uma coisa?

Ela limitou-se a balançar a cabeça em sinal de sim. Estava chorando.

- É uma pergunta meio estúpida, mas... a gente poderia ficar bem? Sei lá... sermos amigos?

Repetiu o gesto anterior e no ultimo balanço deixou escapulir um pequeno sim.

Ele levantou-se, fitou aqueles olhos lacrimejados, os mesmos olhos que por muitas vezes riram ao abraçá-lo e disse:

- Desculpa por tudo ta?

- Você não precisa me pedir desculpas. – Foram as ultimas palavras antes de abaixar novamente a cabeça.

- Tchau. – Despediu-se ele e com o livro debaixo do braço caminhou sem olhar para traz.

Tiago Mota
Enviado por Tiago Mota em 17/07/2010
Reeditado em 21/07/2010
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