Só é velho quem quer

Olhei para o meu pai esta manhã, implicando com a quantidade de açúcar que minha mãe colocava no café, ou com a força com que ela apertava o botão do controle para abrir o portão, e pensei: “ele está ficando velho. E rabugento. Me parece familiar”.

Pois é, tenho 20 anos. Mas sinto como se fosse aquelas velhotas que ficam sentadas no sofá tricotando e resmungando para as paredes, reclamando da vida que nunca viveram. Só que a minha corcunda não é consequência da idade, mas do peso do trabalho e de todas as outras coisas que eu tenho que aguentar. Viu só? Estou fazendo de novo!

O meu namorado, coitado. É sempre alegre e sorridente. Tem uma vivacidade invejável. E um bom humor irritante. Coitado porque sempre dou um jeitinho de ironizar. Gosto das ironias, são engraçadas. Sigo o estilo Saraiva de ser.

Na pizzaria:

- Seu Saraaaiva, o senhor por aqui? Veio comer uma pizza?

- Imagina, vim aproveitar o forno à lenha para pegar uma cor. Sabe como é, né? Inverno deixa a gente um pouco pálido.

Um autorretrato perfeito.

Hoje fazem exatos dois anos que vivo sem a presença de minha avó para alegrar os meus dias. Por coincidência, hoje resolvi falar da minha rabugice. Por quê? Sorte de quem conheceu dona Judith. 77 anos encarando a vida como uma eterna dança de salão. Repetindo uma coreografia romântica, olhos nos olhos. Às vezes, o companheiro pisa-lhe o pé. Eles se olham por um segundo, sérios, depois caem na gargalhada e voltam a dançar, com alegria e disposição. Os joelhos doem, a respiração começa a falhar. Mas a música continua tocando e a dança não pode parar.

Assim é que deve ser a vida. Todos dançando ao som de bossa nova, rindo e, principalmente, vivendo. “Como se não houvesse amanhã”, à La Renato Russo. É isso o que desejo para o meu pai: que a quantidade de açúcar na sua vida seja a mesma com que minha mãe adoça o seu café. É isso o que desejo para mim.

Agora, se me dão licença, tenho uma música para dançar.