No rancho do Santo - arroz carreiteiro, festa e um sanfoneiro tocando...

No rancho do Santo - arroz carreiteiro, festa e um sanfoneiro tocando...

Poucos dias depois de ter baixado para a terrinha de férias, encontrei o Santo e, conversa vai, conversa vem, ele já me convocou para ir com ele para o rancho, para comemorar o seu aniversário, que sempre acontece do jeito que ele gosta: boa comida, bebida (agora só para os outros, porque ele deixou de beber depois de levar uma dura do Dr. Leônidas), família, amigos e, claro, violão e serenata, perto de uma boa fogueira, no ranchinho às margens do ribeiro dos Moleques. Mas, me avisou que, quase todo dia, tinha gente indo até lá, gozando da paz de seu rancho caipira e bem emsombreado.

Dias atrás, fui me avistar com um primo que ainda não havia encontrado e, me informaram que ele tinha ido para o rancho do Santo. "Oba! Estou nessa!", pensei.

Na chegada, senti o cheiro gostoso da flor do assa-peixe, que viceja nas franjas da mata ciliar do ribeirão.

Encontrei o meu amigo à beira do fogão-de-rabo, ocupado com um panelão enorme, preparando um arroz carreteiro (arroz, carne de vaca bem seca e, linguiça de porco também seca, cortadas em pedacinhos, colocados pra cozinhas juntos). Como estava muito ocupado, só o cumprimentei e fui me juntar ao meu primo Zezé e mais alguns amigos, que estavam num canto próximo, tomando cerveja e, consumindo uns pedaços de piau três pintas bem fritos.

Minutos depois, chegou um outro amigo, Walter, que trazia a tiracolo um convidado, que já desceu da camionete empunhando uma sanfona, motivo pelo qual foi saudado com muito entusiasmo pela galera. Como chegaram cumprimentando todo mundo de um jeito bem desinibido, a galera percebeu que ele Walter tinham feito um aquecimento com a "Vale do Cedro" pelo caminho.

Mal o Levi, o sanfoneiro se sentou e, a galera já estava pedindo para que ele beliscasse o fole. Como o Santo estava muito ocupado e, informaram a ele que eu gostava de arranhar um violãozinho, peguei meu instrumento no carro, para tentar acompanhar ao convidado.

E o som do acordeon de 48 baixos preencheu a área do rancho, mexendo com os brios dos presentes que silenciaram para ouví-la inteiramente. E eu, ia tocando o violão, fazendo a base para as músicas que o sanfoneiro ia tocando, depois de sua dica de tom e ritmo. Polcas, guarânias e rancheiras bem antigas, gravadas por Biá e Palmeira (ou Dino Franco), Tibagi e Niltinho, Lourenço e Lorival, Carreiro e Carreirinho, Milionário e Zé Rico e, muitos outros... Levi abria o fole da sanfona satisfeito, tocando o melhor que podia, deixando umas notas para trás, errando umas outras poucas, com suas mãos rudes e maltratadas de peão - E era uma atrás da outra...

Lá no fogão, sob os cuidados atentos de Santo (que só interrompia sua ocupação para chamar a atenção de algum presente para os cuidados com o lixo e, a limpeza do lugar), o arroz carreiteiro ia cozinhando e, cheirava cada vez mais e melhor. Do lado de cá, a galera ia avançando nas "geladas', enquanto era brindada com as melodias sertanejas, que encantaram um dia, nossos pais e avós.

Zezé não conseguiu se segurar, e avançou para o fogão com prato e, garfo, para tirar uma "prova" da comida. E aí, como era de se esperar, foi severamente repreendido pelo cozinheiro. O cabra ficou contrariado e, acabou indo embora, antes da festa terminar. Mas, como esse tipo de situação ocorre muito em ocasiões assim e, todo mundo sabe como acaba, isto é, sem maiores traumas, a galera nem esquentou muito.

E, No meio da roda de cantoria, ocorreu um outro e engraçado entrevero, entre Walter e Levi. O primeiro queria que ele tocasse uma determinada música e, este insistia em tocar outra. E para encerrar a conversa, ele saiu-se com essa: "...Não, não! Aqui, você não é meu patrão. Aqui nós somos iguais e, eu vou tocar a minha música, agora!". O Walter acabou caindo na gargalhada, dando a discussão por perdida e encerrada.

Enquanto isso, Santo observava a turma se divertindo, enquanto ele ainda se ocupava da janta...

Depois de chamar a turma para provar da comida, Santo pegou e violão e veio sentar-se á mesa. Não demorou e, ele começou a solar velhos clássicos da música do sertão, começando por "Velha porteira".

E então, o Levi resolveu fazer umas intervenções, no teclado. Só que já estava meio chumbado, e tocava alto demais a sua Universal, de modo que não era possível, ouvir bem o som do violão do Santo - isso, quando o outro não tentava uns solos, já tropeçando nas notas...

Um pouco mais tarde, Walter e Levi, se despediram e foram - este, estava satisfeito, por encontrar gente que valorizava seus "toques" e o acompanhava, na sanfona.

E nós ficamos, para dar uma organizada nas coisas do rancho, antes de ir embora.

E foi aí que notamos que Santo estava danado da vida com o sanfoneirinho, que não o deixou tocar suas músicas com a atenção de que gosta - ainda mais agora, que ele deixou da bebida, sente de novo toda aquela inspiração e vontade própria do músico, e tem a música como a sua fonte principal de diversão e expressão.

Mas, é o tipo do sentimento que passa tão rápido quanto o tempo que transcorre para haver outra noite de cantoria e animação, lá no cantinho sossegado, que ele construiu em meio à natureza...