A VIAGEM

Era uma tarde de junho ensolarada. Estávamos na BR -343, uma rodovia que passa por 18 cidades do Estado do Piauí. Vai de Luis Correia a Bertolínia. O trecho entre a capital e a cidade de Parnaíba era o que percorríamos. A estrada bem cuidada. No tapete preto as faixas brancas e às vezes amarelas destacavam-se pelo contraste com o negro.

Observava a vegetação. Alguns trechos mais verdes. Em outros os Ipês amarelos enchiam nossos olhos de uma beleza impar. Às vezes a estrada reta parecia emendar com o céu e em outros trechos lembrava as curvas da estrada de Santos.

O caminho estava livre. Ou quase livre, Poucos carros transitavam naquele trecho. Uma moto, uma bicicleta ou uma carroça eram vistas raramente. Uma casinha ao pé da estrada, um porquinho e uma galinha ao ser redor. Os cabritos saltitavam no contorno da estrada alegres e inquietos.

Ali e acolá um bando de borboletas desfilava, dançando próximo ao pára-brisa do carro. Faziam vôos rasantes. Queriam marcar território. Aquele pedaço da BR parecia ser delas. Iam e vinham, silenciosas, belas, livres, donas do espaço.

O motorista dirigia tranquilamente. Era bom. O ar condicionado quebrava o calor que deveria fazer lá fora. O sol sorria esperto, quente e belo. O MP3 tocava música para todo gosto. Na seqüência Zeca Pagodinho e Falamansa.

Faltavam uns quarenta quilômetros para o nosso destino. O sol vai se escondendo rapidamente. Via-se ao longe nuvens baixa escuras. Era ela, a chuva. A paisagem mudou, porém continuava bela. Pingos caindo do céu, o encontro da água com o asfalto parecia não ser amigável. A fumaça subia do chão. Uma forma talvez do sol dizer a chuva que ela não era bem vinda.

Continuamos a vigem. Agora com mais precaução. O trecho está bem chovido. A água cobre o asfalto. O ponteiro do pára – brisa não dá conta. Estamos sozinhos na estrada. Ninguém ousava enfrentar o temporal. De repente, o motorista não domina mais volante. O carro rodopia, gira incontrolavelmente Parece bailar na estrada. Dança, gira em círculo. Vai da direita para a esquerda, vai, vem. O motorista exclama: Não consigo dominar a direção! Não sei se respondi, não sei se falei. Mas a cabeça pensou:. O carro vai capotar. Aproxima-se do meio fio. Senti que ele iria sair da estrada. Cair lá em baixo, no barranco.

Como milagre o carro parou. Os dois pneus dianteiros apoiados no meio fio. Os dois outros pendurados. Abaixo o precipício. O motorista indaga: Você consegue descer? Olhei para baixo, dava para pular. Dei um saltinho cheguei ao chão. Escalei pedregulhos, garranchos, matos. Pronto! Cheguei ao asfalto. Meu companheiro de viagem ali, rente comigo. São e salvo como eu.

Olhei a minha direita. Vi um caminhão enorme, amarelo. Talvez uma Mercedes Benz. Acenei com as duas mãos. O motorista desceu e veio ao meu encontro. Um homem alto, de aproximadamente dois metros, forte e antes que eu lhe dirigisse a palavra ele se pronunciou: Tenha calma, vou tirar seu carro daí. Apontando para esquerda ordenou que eu pedisse socorro a caçamba que se aproximava. Novamente acenei com as duas mãos. Desceram 12 homens, todos de macacão laranja. Julgo que pertenciam a alguma empresa que fazia serviço naquelas proximidades. Orientados por aquele homem alto e forte, num passo de mágica, coisas de filme, carregaram o meu transporte devolvendo - o para o asfalto. Incrível. Tudo talvez tenha acontecido em pouco mais de dez minutos. Parecia, no entanto, uma eternidade.

Este homem Deus, pediu que o motorista ligasse o carro. Funcionou. Enquanto eu balbuciava atônita agradecimentos eles todos, dirigiam-se para seu destino. Cada um pegou seu transporte, seguindo viagem.

Tentamos nos recompor. Colocamos o cinto de segurança. Seguimos na BR. Ao longe, avistamos os dois transportes, o caminhão e a caçamba. Um em nossa frente o outro atrás. Já estavam bem distante de nós. Logo, logo fugiram, sumiram de nossos olhos. Desapareceram com a mesma destreza que apareceram.

Fomos vítimas de uma aquaplanagem. Ao passar pela lâmina de água os pneus perderam contatos com o asfalto. Mas chegamos ao nosso destino. São e salvos. Contando a história. Milagre!

Nunca esqueci aquele homem grande e alto, nem os doze trabalhadores de macacão laranja. Todas as vezes que conto está história eu me pergunto: Seria “Ele” Deus e seus doze apóstolos?

Maria Dilma Ponte de Brito
Enviado por Maria Dilma Ponte de Brito em 23/07/2010
Reeditado em 24/04/2020
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