REUNIÃO DE FAMÍLIA

Não sei se era aniversário de algum pequeno,de algum marmanjo ou era uma reunião pura para comer carne e tomar cerveja. No começo a voz da televisão se fazia prevalescer:
"Escutou mãe, a mãe da menina deixa o namorado dormir com ela em casa; você viu sogro, o Brasil bateu outro recorde de produção de petróleo e a nossa gazolina é a mais cara do mundo. Nossa que horror! Já dizia uma beata sogra; o padrasto estuprou a enteada! Mas vão cortar o pinto dele na cadeia, dizia outro e outro: Eu faria outra sacanagem; nem preso vai porque não tem lugar nos presídios; vamos mudar de assunto já dizia o outro e o outro: Seu time vai perder amanhã, só se for roubado; roubo é dos políticos e coligados; coligados da mãe porque sua mãe votou naquele safado; mas seu pai também votou porque ganhou o transporte de estudantes rurais; mãe olha lá que tanto de enchente! Vamos desligar a televisão? Só depois de ver aquele incêndio! Qual deles? Aquele provocado por um furacão! Mas todo furacão não tem chuva que apaga incêndio?"
Mas tem raios que clareiam o céu de Brasília porque acabou foi a luz e a televisão se foi.
Foi uma verdadeira enchente de água fria naquela discussão que não acabava nunca e não tinha nenhum sentido. Ajeitaram-se umas velas; os mais fominhas por cerveja gelada foram em casa ou supermercados e trouxeram isopor e gelo; outros com medo de alguma depressão compraram uma garrafa de uma bebida mais forte e os mais jovens se furtaram dos olhares dos pais e foram namorar com mais liberddade.
Ao longe se escutava alguns sons que parecia ser de foguetes; talvez alguém comemorando algum santo, algum gol e porque não, alguém sapecando alguém para lhe tomar os vinténs. Apareceu um rádio a pilha dizendo que a luz só voltaria no dia seguinte. Começou devagar outro alvoroço:
"Como vou embora, meu Deus? Já dizia uma nora descasada. Vai com seu irmão! Deus que me live que ando com gente embriagada! Tonto sim mas ajudei a te criar; mas matou minha mãe de desgosto! Vamos parar com discussão porque hoje é festa, não é minha nora? Dei bobeira meu sogrão, se tivesse casado com aquele fulano minha vida teria sido outra! Mas ele é rico mas não gosta daquilo... Mas isso não importa mais, preciso é de dinheiro e aquele cara é o mais rico da cidade; nem tanto; é sim já dizia outro cunhado explicando que o homem nandava até no Paraguai. Mas então ele é corrupto; mais que os políticos jamais! Você tem é ciúmes! Não, tem um primo meu por parte de padrasto aqui em Brasília que é muito mais rico que ele; ele quem? Já perguntava outro esfumaçado pela churrasqueira porque não ajudou comprar a carne; ele quem? Mas por falar nisso minha filha passou em primeiro lugar no vestibular. Federal ou particular? Tanto faz. Tanto faz nada! Eu posso pagar! Eu no posso. A carne está dura! Mas nessa escuridão! Porque não liga o farol de seu carro? A bateria está fraca. Fraca é suas pernas. Ou seus miolos. Quanto que está o jogo, o do rádio? Jogo de quê? De futebol. Achei que era do presidente. Estou falando do Coríntians! Ah! Mas cadê minha filha que sumiu nessa escuridão? Cadê meu filho que também sumiu? É, meu casal de filhos também sumiu. O meu também. Culpa sua que falou que aquele cara é o mais rico da cidade; culpa sua que não sai da televisão; culpa sua que não sai da cachaça; culpa sua que se acha; culpa sua que nunca se acha e vive preso na caverna. "
E as distintas mulheres continuavam: "Gosto de um arroz bem solto; eu mais molhado; minha sogra quem diria; gosta dele sapecado; mas deve ser trauma não; por quê; dizem que ela foi sapecada por um coronel antigo antes de se casar; arroz sapecado é difícil de digerir; eta língua; e o seu marido que não sai da rua. e o seu que precisa de ajuda de comprimidos; pelo menos está dentro de casa; mas não molha; o quê?..." E a luz ascendeu.
Todo mundo parou de falar se entreolhando como se não estivessem na mesma vida ou casa. Os mais tímidos fizeram uma fila no banheiro que não desocupava nunca. E a primeira voz a ser ouvida foi do dono da casa gritando: "Quem está no banheiro? Sou eu pai, gritava a filha de quinze anos. Mas então sai! A chave emperrou! Vou buscar a cópia que tenho..."
Enquanto o pai procurava a bendita chave que não achava nunca, a menina abriu a porta toda descomposta dizendo que passou um sufoco danado... Todo mundo embriagado nem notou que a luz do banheiro tinha sido tirada como também o vitrô. Só as beatas mais fofoqueiras saiam do banheiro balançando a cabeça e deixando o assunto para o dia seguinte na hora da missa. E devagar a prosa voltou ao "normal".
"Amanhã vou levar meu filho no psiquiastra; por quê; estou achando ele meio esquisito entende? Esquisito como? Não é muito chegado entende? Mas isso é normal nos dias de hoje. Como assim? Ele deve ficar o dia inteiro na internet, não é? Dia inteiro não porque ele vai na escola. Então. Então o quê?..."
Aparece o sessentão dizendo que "tempo bom era do bissavô que quando queria uma moça, laçava ela no pasto; que horror disseram as beatas. Claro que é brincadeira. meu avô me falou que conheceu minha avó em cima de uma mangueira e ficaram chupandol... Credo! Brincadeira de novo. E o meu pai... Não vai falar?...Falar o quê? Que sua mãe..."
Agora apagou foi a luz de minha mente em lembrar de minha saudável infância, sob a luz de uma lamparina, enquanto minha mãe arrebentava pipoca num fogão a lenha caída da serra escutando as bucólicas histórias de meu pai...

JOSÉ EDUARDO ANTUNES
Zeduardo
Enviado por Zeduardo em 24/07/2010
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