Oportunidades

Curvou-se para limpar o lugar que ia sentar. Era fim de tarde e como caminhara desde cedo desejava descansar um pouco antes de trilhar o caminho de volta pra casa. Lugar limpo, sentou-se debaixo de uma árvore recém podada em uma das avenidas do centro da cidade.

Vestia uma blusa preta sem detalhes e apertada ao seu corpo, uma calça jeans estilo desbotada e um tênis Nike não original. Usava óculos escuros, um relógio Orient de cor prata no braço direito e uma pulseira de couro artesanal no direito. Nas costas trazia uma mochila azul e no rosto sinal do quanto andara naquele dia.

Aparentava ter não mais de 21 anos, no entanto, sua pouca idade não o impedia de já está casado e nem de ser pai de um bebê de cinco meses. Morava com a esposa, uma jovem de 18 anos, e o filho na casa dos seus pais. A gravidez foi mais do que indesejada: era apenas mais uma de suas paqueras, casamento estava longe de seus planos, porém as caricias ultrapassaram os limites e não houve tempo de pensar em prevenção. A criança nasceu, restava agora, assumir uma maturidade que nunca teve.

O saldo do dia foi positivo. Acordou às 6:40 h da manhã, arrumou-se, comeu dois pães franceses sem manteiga com um copo de café quente, colocou na bolsa alguns papeis, seus documentos e mais duas maçãs para resistir até a volta. Na rua visitou algumas lojas, conversou com alguns gerentes, deixou currículos em todas e conseguiu agendar duas entrevistas, uma para o dia seguinte e a outra para a próxima semana.

Já faz mais de um ano que esteve empregado pela ultima vez, desde então, iniciou uma busca por novas oportunidades que nunca surgiram. Sustentou-se durante um tempo com bicos como ajudante em construção civil, mas essa fase era inconstante e insegura, além de não lhe render o suficiente para arcar com as crescentes despesas. Por esse motivo reconhecia o quanto era importante sair-se bem nessas entrevistas, pois ainda que não houvesse completado os estudos dominava bem a arte de uma boa conversa, o que poderia lhe valer como um ponto a mais.

Enfiou a mão em um dos bolsos, retirou um reprodutor de mp3, ajeitou o fone no ouvido e olhou fixo para uma igreja à sua frente do outro lado da avenida. Encarou-a com intensidade, sua feição sugeria uma prece. Lembrou-se de sua casa, da cobrança dos seus pais, das necessidades de seu filho e da esperança da sua jovem esposa. Estava cada vez mais difícil viver naquela situação: se demorasse no banho ouvia o pai dizer aos berros que ele não ajudava a pagar as contas, se assistisse televisão à noite ou acordasse um pouco mais tarde era chamado de preguiçoso e vagabundo e até pra comer sentia-se retraído, não foram poucas vezes que ouviu a própria mãe insinuar o quanto os alimentos estavam caros e como a casa estava pequena pra tente gente.

Imitou a esposa em seus rituais de cada noite. Fechou os olhos por alguns instantes e baixou rapidamente a cabeça em silencio, entregou sua vida nas mãos de um Deus desconhecido e pediu misericórdias. Levantou novamente a cabeça, fitou a igreja e deixou escapulir dos lábios um quase imperceptível amém.

Imaginou um futuro diferente, em sua própria casa, vendo seu menino crescer com brinquedos, lanches, saúde e felicidade, viu sua mulher em um quarto só para os dois e ele sentado na cama contando o dinheiro que restara do salário após pagar todas as contas. Uma lagrima finalizou o pensamento, os dedos ágeis a detiveram antes que marcasse sua face.

Abriu a bolsa retirou a ultima maçã, jogou para o alto e sorriu. Tinha que se distrai um pouco, afinal era apenas um jovem. Levantou-se, a igreja, agora de portas abertas, dava-lhe uma perspectiva mesmo com as lojas se fechando. Foi para casa, no dia seguinte estaria ali antes do comércio se abrir desejando somente uma única nova chance de construir sua vida.

Tiago Mota
Enviado por Tiago Mota em 24/07/2010
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