BAR DO ESPIRRO

Morei durante vinte anos na Cachoeirinha, depois que voltei de São Paulo, bairro da Região Nordeste aqui de Belô, próximo à Igreja Nossa Senhora da Paz e ao famoso “Bar do Espirro”, de propriedade do Cesar, um tipo nervoso, sistemático, que herdou esse apelido não sei porquê.

Aos domingos costumava dar uma passada pelo bar e papear com os amigos vários, entre eles uma turma que apelidei de “Confraria do Álcool”, viciados que eram numa branca pura e numa cervejinha bem gelada. O Cesar, ou melhor, “Espirro” e sua mulher, Dona Laura, faziam eles mesmos tira-gostos da melhor qualidade, entre eles um bolinho de carne, bem temperado (o tempero era seu segredo, dizia) que dava água na boca. Quitute de se comer ajoelhado, como se diz.

Apesar disso o bar tinha uma característica interessante:- os amigos do “Espirro”, todos eles do seu tempo de rapazote, além de fregueses cativos do boteco, traziam algum tira-gosto de casa mesmo. O Josias vinha com uma bandeja de quibe cru, adornada por folhas de hortelã enormes, cultivo próprio de sua horta caseira, o Babalú trazia pastéis, o Déo chegava com porção generosa de feijão tropeiro, o Sete Lagoas, meu vizinho, trazia petiscos variados, frango à passarinho, piabinhas fritas (pescadas por ele mesmo), iscas de fígado acebolado e assim por diante. O negão “Viveiros”, um dos meus personagens favoritos ("VIVEIROS, O BOM" e "VIVEIROS, O PREDADOR", entre outras crônicas) só vinha pra comer. O “Espirro”, ao contrário de se incomodar com essa “concorrência desleal”, participava conosco dos comes-e-bebes, pois na rapaziada só havia amigos de priscas eras. Próximo ao meio-dia, hora do almoço para muitos, a cambada já estava calibrada, uns mais outros menos, mas muito nego da “Confraria” já enrolava a língua. Antes que a coisa descambasse eu picava a mula pra casa, sóbrio e com a cabeça cheia das histórias e dos causos ouvidos, muitos dos quais viraram crônicas que redigi, todas elas integrantes do meu modesto acervo.

Há quase dois anos me mudei pra Cidade Nova e, como não freqüento mais botequim, nunca mais andei pela Cachoeirinha. Mas ontem, domingo (25/7/10), resolvi dar um chego por aquelas bandas, mais propriamente no “Bar do Espirro”. Peguei alguns da velha turma por lá, mas notei a falta de muitos e aí fiquei sabendo das novidades, inclusive quanto ao obituário. Morreram, entre outros, o Josias (fim do quibe cru), o Piriá, o “Seu” Moura, o Zezé Pistolinha, o Tiãozinho do Depósito e o próprio “Espirro”, de maneira trágica (suicídio). A “Confraria do Álcool” estava, pois, bem reduzida e entre os presentes anotei o Bananal, o Guido, Sete Lagoas, Marcelo Pantuzza, Toninho Rosquinha e o Ticreca (personagem meu, sujeito engraçado à beça).

Batemos um papo, recordando os bons tempos, ouvi e contei algumas anedotas, não comi e nem bebi nada (ninguém mais trazia tira-gosto e a Dona Laura, sozinha agora no bar, não mais fazia bolinhos de carne) e senti, isso sim, uma espécie de desânimo, a maioria sem graça, poucos sorrisos (todos amarelos) e nenhuma boa gargalhada. Entrei no borrachudo e voltei pra Cidade Nova, convicto de que a “Confraria do Álcool” estava com os seus dias contados! ...

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B.Hte., 26/07/10

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 26/07/2010
Reeditado em 01/02/2011
Código do texto: T2400303
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