“ PAI, UM AMIGO, UM HERÓI ”

Foi uma longa viagem. Era hora de sacudir o pó da estrada, colocar uma roupa bonita e descansar. Olhou para trás e viu a difícil jornada empreendida. Uma vida de sacrifícios e luta pelo sustento da família e formação dos filhos.

Constatou que tinha cumprido sua missão.

Viu-se atrás de uma mesa de escritório, amargando contas, suportando por vezes o mau humor de superiores, recebendo o minguado e abençoado salário de final de mês. Orgulhoso, pode constatar que com o pouco que tinha, fizera muito, protegera sua família.

Viu seu lar. Lembrou-se das noites nas cabeceiras dos filhos, curando-lhes as dores, afagando-lhes os cabelos, tirando-lhes os medos noturnos.

Sentiu um nó na garganta ao lembrar-se, corrigindo-os, porque era um homem de paz.

Sorriu, vendo-se nas trilhas a caçar “pintassilgos ” com o filho mais velho... Emocionou-se ao recordar-se das confidências do filho mais novo. Enterneceu-se quando a imagem de sua única filha, que carinhosamente chamava de “Julinha”, ocupou-lhe os pensamentos.

Mas estava cansado! Sabia que não havia escolha. Conforme olhava a estrada, via as pedras que retirara dos caminhos e entendia porque se sentia tão fragilizado.

Eram muitas. Realmente era chegada a hora de parar. Num relance, mergulhou na infância feliz ao lado dos pais, passou pela juventude ao lado dos filhos e da esposa amada, encontrando-a ainda a cuidar dele em sua idade avançada. Não poderia sentir-se mais feliz!

Num balanço geral, cumprira sua parte.

Pegava um pouco deixar os amigos de carteado, sua grande paixão, mas era hora de partir e decidiu, então, descansar.

Sem dar trabalho, dormiu o sono eterno, sem nada que denunciasse sua intenção, sem um aviso, sem qualquer pista, despertando as dores gigantes dos que ficaram.

Aquele teria sido um dia igual a tantos outros, não fosse o acontecido.

Era estranha a sensação de vazio dentro do peito, quando a alegria reinava prenunciando o Natal e a música invadia o ar.

Diferente também, era não ter ouvido o badalar compassado do sino entoando seu lamento, depois de ler tantas vezes “ Por quem os sinos dobram”. Deveriam dobrar por você!

Curiosamente, o “curió” emudeceu, o cachorro não latiu, o rádio permaneceu calado, a tarde continuou quente, melancólica.

E você estava lá. Calmo, tranqüilo como sempre o fora, vendo a multidão de amigos a rodeá-lo, expressando amor por você.

Sei que se desiludiu um pouco ao perceber a tristeza que nos causou, com essa viagem repentina e sem volta, porque você era alegria. Ponderado, certamente concluiu que essa era a única pedra que não poderia remover por nós.

Você deixou saudades, mas não passou. Somos um pouco de você, partes de uma história escrita com amor, por um “Pai, um amigo, um Herói”.

(Crônica premiada pela Casa do Novo Autor e editada na Antologia “Pai, um Amigo, um Herói” / 09/2001)

Rosemarie Rossi
Enviado por Rosemarie Rossi em 14/09/2006
Reeditado em 14/09/2006
Código do texto: T240158