NOSSOS GRINGOS

Passa de hora, para que se escreva a história não-oficial das famílias bom-despachenses, certamente recheada por capítulos heróico-hilariantes e personagens com sobrenomes Gontijo, Costa, Melo, Cardoso, Araújo, Campos... numa extensa linhagem lusitana. Haverá, também, páginas impagáveis protagonizadas por aquelas oriundas da Alemanha, do Líbano... Os germânicos ao imigrar ganharam uma Colônia Agrícola, onde se fixar. Porém, oriundos de uma região industrializada, cedo barganhariam as lidas do campo pelas da cidade, aqui estabelecendo nossas primeiras oficinas mecânicas.

Dentre os que vieram da fria Germânia para o quente cerrado mineiro, reverencio a pessoa de Bruno Kohnert em sua oficina da Avenida Rio Branco, onde exerceu e ensinou o ofício aos nativos. Do breve período na roça - lembraria ele mais tarde, rindo - seu maior desafio foi o novo idioma que, além do sotaque carregado, nunca aprendeu! Ou, como dizia, o que dominou foi na marra, pois nos finais de semana competia-lhe a tarefa extra de vir à cidade vender parte da produção agrícola da Colônia. Certa vez, trazendo fubá e galinhas para negociar, sem compreender quase nada da língua local, cavalgou de lá até Bom Despacho repetindo: fubá-galinha, fubá-galinha... Mas no momento da negociação deu-lhe branco na memória e só lembrou de fubá; havendo o comprador perguntado o que mais trouxera, ‘se virou’ como pôde batendo os cotovelos abaixo dos sovacos, ao feitio de asas, e imitando a ave cacarejou: có-có-ri-cóóó!!!

Sua esposa, dona Dora Kohnert, é outra personagem que jamais se apagará da minha galeria de lembranças... Em vários momentos da vida demonstrou coragem incomum e enfrentou perigos extremos - devido a sua origem e crença. Imigrada para o Brasil, fugindo aos horrores nazistas da Segunda Guerra Mundial, foi aqui levianamente acusada por tupiniquins ensandecidos, de ser espiã de Hitler! Pior ainda, deu-se duas décadas depois, ao eclodir a “Redentora” (assim chamado por alguns o Golpe Militar de 1964). Noutro destes equívocos irreparáveis da história, a brava senhora foi perseguida e presa por apoiar o governo constitucional do Presidente Jango. Para sua humilhação, com outros ‘comunistas’, foi colocada na carroceria de um caminhão que rodou pelas as ruas da cidade exibindo os ‘inimigos do povo’! Patético! Porém, impávida, ela era a primeira, atrás da boléia, segura no malhal, fitando o horizonte, altaneira!

Relevância semelhante em nossa história familiar merecem os libaneses, que por ignorância foram aqui chamados de ‘turcos’. Da Pátria do Cedro para o cerrado bom-despachense vieram os Hamdan, Lauar, Sleiman e outros trazendo sua rica cultura. Dedicados ao comércio lojista muito contribuíram para o desenvolvimento da cidade. Como o Nawaf, que mesmo sem conhecer a nova língua-pátria, fez-se mascate. Logo, um espertalhão nativo quis aplicar-lhe o conto-do-vigário; e tomando dinheiro emprestado com certo agiota, indicou o jovem comerciante libanês como avalista. Naturalmente vencida e não paga a dívida, o credor cobrou do ‘turquinho’. Este - não sendo bobo, nem nada -, alegou que aquilo escrito na Promissória não era sua assinatura. Portanto, não devia nada a ninguém! Até que o caso foi parar nas mãos do Juiz. Obviamente, ignorando o significado daquelas garatujas arábicas (parecidas com minhocas), o doutor intimou um conterrâneo do Nawaf, para fazer a tradução.

O dito patrício compareceu meio receoso ao Fórum. Mas quando o Magistrado exigiu-lhe que esclarecesse o que estava escrito no documento, assim ele encerrou a contenda: - Meritíssimo, com o perdão da palavra, aqui não tem escrito nome de ‘turco’ nenhum. O que posso ler é: “Vai cobrar da sua mãe, filho-da-puta!”.

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 28/07/2010
Reeditado em 26/02/2011
Código do texto: T2404687