Amazônia: realidade ou utopia ???

Desde o início do movimento ambientalista no Brasil surgiu um forte ativismo em torno da proteção da Floresta Amazônica.

Então, a preservação da Amazônia ganhou bastante espaço na mídia nacional, tornando-se bandeira de várias ONG’s Ecológicas e passando a fazer parte do discurso político de muitos partidos. Assim, salvar a Amazônia adquiriu um caráter romântico, sonhador, quase utópico.

Volta e meia são realizados shows e eventos envolvendo artistas e desportistas com a finalidade de arrecadar verba para proteger indígenas ou seringueiros da Amazônia, como por exemplo, os debates promovidos pelo Cantor Sting, nos anos 80, e pelo Diretor e Cineastra James Cameron, em 2010.

Não há dúvida que a preocupação com a conservação da Amazônia é uma meta que precisa ser valorizada, mas por outro lado isso fez surgir algumas idéias equivocadas, que infelizmente interferem negativamente nas políticas públicas voltadas para essa região.

No senso comum é possível ver uma preocupação enorme com leis ambientais mais rígidas para impedir a suposta ocupação irresponsável da região Norte.

Assim, há um consenso da população urbana do Sul e Sudeste que deseja ver maior rigor da fiscalização por parte dos órgãos ambientais, maior pressão às empresas e fazendeiros da região etc. Em tudo isso há um lado bom, mas é preciso olhar além, pois por trás dessa aparente generosidade e disposição para ajudar o meio ambiente é perceptível que existe uma visão equivocada acerca do Norte do Brasil.

Em alguns casos pode-se ver que pesquisadores e ambientalistas de ONG’s Ecológicas, geralmente sediadas em capitais das regiões Sul e Sudeste, fazem cobranças excessivas, até mesmo chegando ao ponto de usar argumentos distorcidos, irracionais e fanáticos acerca da necessidade de proteção dessa parte do país.

Pouca gente para pra pensar, mas nós, brasileiros, valorizamos excessivamente a cidade, especialmente as capitais, como os locais para se viver. Isso pode ser percebido claramente nos números que mostram a migração do campo para as cidades ao longo das últimas décadas.

No início do século passado apenas uma pequena parcela da população brasileira residia em centros urbanos. Assim, estima-se que naquela época cerca de 90 % da população vivia na zona rural, dedicando-se às atividades agrárias, como agricultura de subsistência, pecuária, caça, pesca e extrativismo vegetal.

O Brasil permaneceu como um país rural até a década de 60, pois só nesse período é que a população urbana ultrapassou a rural.

À medida que as atividades urbanas expandiram-se e geraram mais empregos do que na zona rural, a população do país foi transferindo-se para as cidades.

Nesse processo de migração, milhões de brasileiros saíram da zona rural e foram morar nas cidades, passando a viver quase sempre em residências caóticas, sem conforto e longe da rotina tranqüila e pacata do interior.

Coincidentemente, foi nesse mesmo período que as questões ambientais começaram a ser trabalhadas em nosso país por meio de órgãos públicos e pela mídia.

Então, a proteção da Amazônia adquiriu crescentemente uma aura especial, como se com isso pudéssemos resgatar o paraíso perdido por Adão e Eva no início de tudo. Dessa forma, a salvação da Amazônia adquiriu um caráter romântico e sonhador. Tornou-se uma visão idealista de um mundo primitivo e sagrado que se busca preservar.

À medida que a população se concentrou nas metrópoles, foi-se formando uma imagem negativa do interior, do campo e especialmente das regiões mais distantes como a Norte e a Nordeste.

Hoje, mais de 80 % dos brasileiros vive nas cidades, longe dos ambientes naturais, o que contribui para que a zona rural seja vista como algo distante. São poucos os que lembram que é do campo que saem os alimentos que abastecem nossa mesa diariamente.

A maioria dos brasileiros desconhece o dia-a-dia do homem do campo. Praticamente ninguém tem idéia das dificuldades que os agricultores e pecuaristas enfrentam para colocar o Brasil no patamar de um dos maiores produtores de alimentos do mundo.

Diferentemente do que ocorre em muitos países europeus (por exemplo, na Alemanha e França), o brasileiro valoriza com exagero a vida nas grandes cidades em detrimento de outros lugares. Entretanto, destaco que essa opinião tem mudado um pouco em locais onde a violência e o caos urbano servem de estímulo para busca por cidades menores e com melhores condições para se viver.

Poucas pessoas sabem que atualmente a população da Amazônia Legal gira em torno de 25 milhões de pessoas, e que aproximadamente 70% desse total vive em cidades. Essa imagem de que nos estados do Norte do país só existem índios e matas; que as cobras, onças e jacarés estão por todo lado trata-se de uma idéia totalmente distorcida que interfere nas políticas públicas, invariavelmente pensadas por pessoas que desconhecem a realidade local.

Pode parecer um absurdo para muita gente, mas a totalidade da população nortista é favorável ao asfaltamento das rodovias, deseja ter energia elétrica de qualidade, almeja ver a inclusão digital chegar a sua comunidade, quer ter acesso ao celular e a todos os demais benefícios que estão mais acessíveis às populações do Sul e Sudeste do Brasil.

Outra queixa recorrente entre as pessoas que vivem na Amazônia é que essa parte do país deve ser pensada, planejada e usada não para servir unicamente aos interesses das pessoas que vivem nas cidades do Sul e Sudeste, mas ao invés disso deve ser vista com os olhos de quem vive aqui.

Infelizmente o que se nota é que desde o início da história brasileira a Amazônia continua sendo percebida como um baú do tesouro, um reservatório de recursos naturais, como algo a ser preservado e guardado para bem da nação ou, até mesmo, do planeta. Isso tudo pode parecer muito bonito e romântico, mas em muitos casos dificulta a vida das pessoas que vivem aqui e querem ver as políticas públicas chegarem a região.

Ao mesmo tempo que alguns programas e documentários ajudam a fortalecer a imagem da Amazônia como um lugar selvagem e belo, outra parte da mídia nacional recorrentemente mostra a região Norte como um lugar violento, cheio de conflitos por causa da ocupação da terra e pelo uso da floresta. É certo que grande parte das agressões a natureza, na região Norte ou em qualquer outra parte do país, surgem como resultado das desigualdades sociais e da grave injustiça que existem entre os grupos dominantes e dominados. Em geral, a maior parte dos conflitos sociais e ambientais surge das relações díspares entre ricos e pobres.

O que se pode esperar de um morador pobre que vive no meio da floresta e recebe a proposta de ganhar um pouco de renda com a venda de árvores seculares ou com o comércio de animais em extinção ??? É fácil repudiar essa idéia quando se vive num apartamento de luxo ou quando temos poder aquisitivo para ir ao shopping comprar produtos caros e de marcas famosas, mas são poucos os que entendem que a desigualdade social leva milhões de pessoas por todo mundo a optar pela predação imediata dos recursos naturais que estão bem próximos de sua casa, ao invés de pensarem em usá-los racionalmente num futuro adiante, pois em primeiro lugar eles precisam sobreviver para depois poderem pensar na conservação da natureza.

Esse é só um dos diversos exemplos que mostram que o grau de pobreza de uma cidade ou região está diretamente relacionado à quantidade e qualidade dos problemas ambientais que ocorrem ali.

Só é possível pensar em meio ambiente equilibrado se os problemas sociais forem tratados conscientemente pelas ações de valorização do ser humano. Não se pode pensar em proteger a natureza sem investimentos em educação, segurança, saúde, moradia e tantos outros direitos essenciais a sadia qualidade de vida de um povo.

Não podemos limitar nossa visão de que os problemas ambientais a serem solucionados estão distantes (como na Amazônia, por exemplo), por que na verdade eles estão bem perto de nós, muito mais perto do que podemos imaginar. Basta ver o problema do lixo, a poluição do ar, a falta de água tratada, os rios e córregos poluídos, o comércio ilegal de animais silvestres, entre tantas outras questões ruins que fazem parte do dia-a-dia de qualquer cidade brasileira.

É certo pensar na proteção da Amazônia, mas não podemos deixar que os milhões de brasileiros que vivem nessa imensa parte do país sofram como “bodes expiatórios” dos problemas ambientais de nossa nação.

A preocupação com a conservação da Amazônia é algo que precisa ser valorizado, mas é certo que não podemos ter uma visão reduzida de que a solução para as questões ambientais está associada unicamente a proteção das florestas.

Não se pode pensar que a Amazônia deve ficar intacta, pois as pessoas que vivem nela querem que as diversas políticas públicas cheguem a essa região, e não somente o trabalho de fiscalização e repreensão por parte dos órgãos ambientais como querem muitos ambientalistas radicais.

Precisamos pensar um desenvolvimento para a Amazônia que seja realmente proveitoso para todos, o que só será possível se ocorrer de forma responsável, sem visões distorcidas, nem com fanatismo ecológico.

O desenvolvimento sustentável da Amazônia é uma necessidade, e deve caminhar de modo que as políticas públicas dos governos federal, estadual e municipais sejam integradas.

Portanto, é preciso reduzir as desigualdades sociais, econômicas e culturais que distanciam a vida dos brasileiros que vivem nas regiões Sul e Sudeste das demais partes do país. Sem dúvida, esse é o caminho mais curto para se construir um mundo onde o meio ambiente seja respeitado e o futuro da Amazônia seja realmente garantido.

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Publicado no Site Voz do Marajó, em 04/08/2010. Disponível em: http://www.vozdomarajo.com/artigos/colaboradores/giovanni_salera_junior/amazonia-realidade-ou-utopia.htm

Publicado no Jornal Mesa de Bar News, edição n. 374, p. 15, de 06/08/2010. Gurupi - Estado do Tocantins.

Giovanni Salera Júnior

E-mail: salerajunior@yahoo.com.br

Curriculum Vitae: http://lattes.cnpq.br/9410800331827187

Maiores informações em: http://recantodasletras.com.br/autores/salerajunior

Giovanni Salera Júnior
Enviado por Giovanni Salera Júnior em 04/08/2010
Reeditado em 25/11/2011
Código do texto: T2417758
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