A polícia é muito confiante!

Duas coisas são fáceis de esperar da polícia: tudo e nada.

Lembro-me, como se fosse hoje, do dia em que D. Marlene abandonara a limpeza que fazia no chão da universidade e seguira em minha direção, com um leve sinal de preocupação no rosto, segundo minhas próprias conclusões tão antecipadas quanto a minha chegada à universidade naquele dia.

Cumprimentei-a, ela sentou-se ao meu lado e começamos a conversar. A preocupação, que antes era apenas um julgamento de minha parte, acabara de ser confirmada. Ela contou-me que bandidos entraram em sua casa sem permissão e tomaram emprestado alguns de seus pertences, os mais valiosos, é claro!

D. Marlene não tinha lá essas fortunas, mas tudo que conseguira até então era fruto de grandes esforços. Na sua biografia constava a morte de seu marido e, menos de um ano depois, de dois filhos. Ela ficara praticamente sozinha, apenas com a presença, nos fins de semana, de um filho que trabalhava em um serviço árduo, razão pela qual o mesmo encontrava-se praticamente inválido dos braços e coluna.

D. Marlene contou que após esses desconhecidos terem entrado em sua casa, saindo de lá portando alguns objetos, ela fora até a Delegacia de Polícia registrar um boletim de ocorrência. O que acontecera após esse registro ultrapassava quaisquer extremos, no âmbito da realidade.

A confiança que os policiais creditaram a D. Marlene foi tamanha, que qualquer um que tomasse conhecimento desse fato aplaudiria, de pé, a iniciativa desses funcionários tão dedicados ao ofício.

Sem querer provocar suspense, que por sinal não é o meu forte, segundo D. Marlene, a solução que eles encontraram para o ocorrido foi a mais simples e mais admirável: a de que ela (Marlene) própria deveria procurar os responsáveis pela não devolução dos objetos emprestados sem sua prévia autorização.

Dá até para imaginar D. Marlene, no auge de seus 55 anos de idade, com fuzil, metralhadora, revólveres, colete à prova de balas, dentro de um desses carros sofisticados da polícia, combatendo o crime, proporcionando segurança e promovendo a paz mundial.

Tá bom! Essa missão parece ser impossível para uma só Marlene, mas imaginemos que várias senhoras com o meso vigor de D. Marlene recorram à delegacia e recebam a mesma missão... Seria o fim de todos os problemas relacionados à (in)segurança pública, e finalmente a paz reinaria para todo o sempre, amém.

O pior de tudo é que, mesmo em face da imensurável generosidade dos policiais, D. Marlene, covardemente, recusou-se a enfrentar tão honrosa missão. Qual seria o legado de uma senhora que no auge de sua juventude demonstrou fraqueza em uma missão tão relevante?

Ela tinha agora a faca e o queijo na mão, aliás, a faca e o queijo também foram levados sem permissão, mas mesmo assim, nada justifica essa atitude estúpida que ela teve! Ela poderia lançar mão de quaisquer outros armamentos.

E a culpa de essa história não ter tido um final feliz é única e exclusivamente dela, que além de medrosa também foi ingrata com aqueles anjos que representam a nossa segurança. E mais, é toda dela também a culpa de não termos mais segurança.

- Já chega de contar história de pessoas que tiveram a oportunidade de fazer a diferença e desperdiçaram.

– Vou ali comprar um colete e um revólver, para poder registrar um

Boletim de Ocorrência. Pensando bem... melhor não! Vou deixar para amanhã, trabalhei o dia todo e estou muito cansado.