SENTAR-SE E ESCUTAR OS MAIS VELHOS...

Acredito que nós somos sensíveis às coisas do cotidiano e, invariavelmente, estamos recordando, justamente, passagens que nos fazem lembrar momentos únicos, verdadeiros, dignos de relatos e, consequentemente, de breves reflexões.

Hoje, por exemplo, recordou-me, como uma espécie de nostalgia, os meus primeiros anos de adolescente e um pouco dos primeiros anos da minha vida adulta. Mas, não recordei as experiências arriscadas feitas nestes períodos, nem os casos satisfeitos, todos, através da curiosidade natural de uma e do início da outra idade.

Não. Hoje, essencialmente, recordei as vezes em que me sentei - em algum lugar - para ouvir os mais velhos. Sempre tive esse lema comigo: ouvir os mais velhos nos permite escolher se queremos - ou não - passar por aquilo que eles já passaram e que, através de seus ensinamentos, estão nos dizendo se foi bom ou não.

Por isso, de vez em quando, eu me lembro das vezes em que me sentei, no alpendre da casa de “vovó Cristina”, depois da janta, para ouvir as conversas de seu Epitácio e de seu Herculaninho, e deles receber aulas gratuitas de como desvencilhar-me dos obstáculos, sempre sendo correto na estrada da vida. Numa das conversas - que eu me lembro -, eles disseram que “a maior besteira do mundo é querer ter tudo na vida. Na vida só precisamos ter o essencial que é: saúde, paz e momentos felizes. O resto, disseram eles - na ocasião -, o tempo se encarrega de providenciar sem que precisemos correr tanto”. Outro dia, eu encontrei o seu Epitácio. Foi no centro da cidade. Já não me conheceu mais. Também pudera! Já se passaram, de nossas conversas, quarenta anos. Sua idade atual? Mais de noventa... Seu Herculaninho já se encontra noutro alpendre mais a “vovó Cristina”: o celestial.

Também costumava me sentar, quando voltava da agência bancária em que trabalhava - sempre após a janta -, na esquina de “seu Raimundo dos potes”. Explico: era uma mercearia (dessas que já são raras de se encontrar em qualquer canto do país) onde se vendia potes feitos de barro. De todos os tipos e tamanhos. Lá, eu ouvia os “causos” contados pelo próprio seu Raimundo, por seu Zé e, também, por seu Chaguinha. Eram histórias que, transformadas em exemplos, ensinavam muito a quem ainda não estava totalmente seguro para seguir sozinho, sem ajuda, pelos caminhos tortuosos da vida. Eram filósofos do senso comum e sempre começavam suas parábolas dizendo: “escute bem essa aqui, porque um dia pode ser que você passe por um ‘aperreio’ desses e já saberá como pular a ‘fogueira’”. Eles, hoje, estão se sentando nas esquinas lá do andar de cima, talvez contando as mesmas histórias para aqueles que um dia virão para o andar de baixo, aqui na Terra. A aprendizagem começa cedo...

Mas, teve um que foi especial - e que dava muito prazer de escutá-lo -, mesmo que, acredito eu, ele não reparasse muito na minha presença, ali, quando falava com outras pessoas, na área de sua casa, a não ser numa única vez. Este homem, a quem me refiro, costumava ler os grandes filósofos, em coleções de capa dura, e ficava, a tarde inteira, de pernas cruzadas, por sobre o assento, a meditar sobre o que tinha acabado de ler. Suas conversas eram verdadeiras aulas de sabedoria, pois eram fundamentadas em ensinamentos daqueles que ele costumava interpretar e, também, em suas próprias experiências. Outrora, tinha exercido cargo público e, por toda a sua vida, lidou diretamente com o público na sua profissão de comerciante. Certa vez, estando eu em dia de pura rebeldia - lá pelos meus idos treze anos -, vociferando impróprios, dizendo que ia ter isso e aquilo, que compraria isso e aquilo e que ia embora e nunca mais voltaria para junto deles, ele apenas levantou-se de onde estava e, calmamente, sem dizer nada, abriu o portão do meio muro da frente de sua casa e foi se sentar no chão quente da sua calçada. Quando estava nesta simploriedade, sentado no mosaico duro e quente, ele me chamou.

Eu fui. Quando cheguei ao lado dele, ele me pediu que sentasse ao seu lado, no chão quente da calçada, também. Eu me sentei. E ele ficou calado. Esperou. Esperou mais um pouco. Quando eu não pude mais aguentar o calor, perguntei se eu podia me levantar (achando que aquilo era apenas um castigo que ele estava me impondo), e ele, então, olhou para mim e disse, numa voz mansa, sem tom de ameaça: “meu filho, o mundo pode lhe dar tudo o que você deseja, mas vai lhe cobrar um preço muito alto até você poder entender o que é certo e o que é errado; por isso se lembre sempre do que eu vou lhe dizer agora: hoje, você pode se levantar dessa calçada quente porque eu vou deixar e, com isso, evitar que você contraia uma dor de garganta, um resfriado, uma dor de ouvido ou, no mínimo, uma dor de cabeça, mas, se um dia você estiver no mundo, saiba sempre onde você pode se sentar, sem precisar pedir a alguém para se levantar”. Esse senhor tinha um nome: Manoel Pedro de Oliveira. Meu avô.

Carrego comigo esses ensinamentos, de todos eles. Ajudam-me. E, sempre que posso, sento-me sempre ao lado de alguém, com mais experiência que eu, e fico, ali, calado, a escutar o que eles têm a dizer...




Obs. Imagem da internet
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 08/08/2010
Reeditado em 01/04/2013
Código do texto: T2425522
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