TELEMARKETING & CIA

---Alô.

---Alô, poderia falar com o Sr. João, por favor? Perguntou uma voz melodiosa de mulher

---É ele mesmo, pode falar.

---Bom dia Sr. João, aqui é do BANCO "X"e quero informar que o senhor foi selecionado entre milhares de pessoas para testar com um de nossos serviços inteiramente grátis. O senhor tem cartão de crédito?

Era mais uma temida ligação de telemarketing. Logo agora que estava esperando uma ligação importante

---Não e nem pretendo, respondi já querendo encerrar o assunto.

---Mas nós estamos lhe oferecendo nosso cartão pelo período de seis meses, sem a cobrança de qualquer taxa. O senhor tem costume de comprar a prazo?

---Não, quando compro é sempre à vista, odeio compras a prazo.

---Pois com o nosso cartão o senhor poderá parcelar suas compras em até doze vezes a juros mais baixos do mercado.

Será que eu estava falando grego? Acabara de dizer que detestava compras parceladas e ela vem me oferecer um ano de prestações a juros ¿módicos¿.

---O senhor viaja muito? Continuou ela.

---Não, o mais longe que eu vou é na minha cidade natal visitar meu pai. São trinta minutos de viagem.

---Pois através de nosso cartão o senhor terá direito a convênio com as maiores companhias aéreas do país tendo acesso a premiações, descontos e planos de milhagens. O senhor prefere se hospedar em pousadas ou hotéis?

Definitivamente eu estava falando grego.

---Moça, eu prefiro a casa de meu pai, que além de grátis é o único lugar para onde viajo. Eu não quero cartão de crédito, nem convenio nem qualquer outra coisa.

---O senhor já teve cartão de crédito?

---Não.

---Se o senhor nunca teve, como pode saber se é bom ou ruim. O senhor foi selecionado para testar inteiramente grátis o nosso....

---Olha aqui, não insista por favor. Estou esperando uma ligação importante e preciso liberar a linha. Não quero ser grosseiro, não me leve a mal e tenha um bom dia, disse eu com uma certa grosseria.

Quem nunca se viu incomodado com abordagem dessa natureza pelo menos uma vez? O pior de tudo é que a cada dia aumentam os ataques. Quando não é por telefone, é pela Internet através de uma verdadeira enxurrada de e-mails. Estamos na era das vendas cibernéticas.

Os antigos vendedores de porta em porta estão se tornando raros. Aqueles que chegavam na sua casa cheio de intimidades, te chamando pelo nome, sabendo sua profissão, quantos filhos você tem e outros detalhes mais. E você emocionado chegava a pensar que esta recebendo a ilustre visita por ser uma pessoa diferenciada. E por ser ¿inteligente, culto e preocupado com o futuro dos filhos¿, não vai perder a oportunidade única de adquirir a preço ¿simbólico¿ aquela coleção maravilhosa de livros que servirá como um ótimo enfeite para sua estante.

Então depois de fechado o negócio, conversa vai, conversa vem, habilmente o vendedor arranca de você todas as informações sobre vizinho em frente, descobrindo se tratar de um casal de professores com três filhos em idade escolar e tudo o mais. Sem querer você contribui para que o vizinho seja mais um selecionado entre tantos outros para cair no papo irresistível do vendedor de enciclopédias. Munido das informações necessárias ele ataca confiante a próxima vítima:

---Boa tarde, eu estou procurando o professor Wagner, ou a Professora Rainilda, por favor, diz o vendedor fingindo consultar uma lista de pessoas ¿diferenciadas que sabem dar valor à cultura¿.

Demanda algum tempo até que se aprenda a livrar-se de situações assim. Mas não se preocupe, se você ainda não tem experiência, não faltarão oportunidades para praticar. Espere só até eles te descobrirem, é apenas questão de tempo. Caso queira lhes facilitar o trabalho e adiantar o processo, basta navegar pela Internet e se cadastrar em tudo quanto é tipo de serviços gratuitos e responder pesquisas a torto e a direito. Automaticamente seus dados irão fazer parte uma seleta lista a qual inexplicavelmente todas as empresas de vendas do planeta tem acesso. Esta lista é denominada de ¿Clientes em potencial¿, mas ficaria poderia muito bem ser chamada de lista dos ¿otários que fornecem os dados pessoais de mãos beijadas¿. Quanto ao número de seu telefone não é tão difícil assim, está no catálogo lembra?

Uma vez ao ser atacado por alguém tentando me enfiar um cartão de créditos por telefone, deixei que citasse toda a infinidade de vantagens oferecidas e então lhe perguntei:

---Nossa, é muita vantagem junta! E vocês, o que ganham com isso?

---O prazer de prestar um bom serviço, respondeu o operador vitorioso.

---Quer dizer então que sua empresa não visa apenas prestar bons serviços contribuindo assim para o bem estar da população? Trata-se então de uma entidade filantrópica. E você está aí prestando um serviço voluntário. Talvez seja por isso que vocês obtiveram no último período bilhões de reais de lucro, apenas fazendo caridade, não foi? Pois bem, me inclua fora dessa, por favor.

Noutra vez eu disse à vendedora:

---Minha amiga, eu já estou atolado em dívidas, afundado no cheque especial, estou tentando renegociar um financiamento com o banco e você ainda vem me oferecer cartão de crédito?

É tiro e queda, a pessoa agradece e desliga no ato.

Outro dia um agente de telemarketing da companhia telefônica tentava me convencer a instalar uma segunda linha. Usou um argumento forte, segundo o qual caso eu concordasse, meus gastos com telefone diminuiriam. Primeiramente, sendo fiel ao meu estilo perguntei-lhe qual o interesse da companhia telefônica em fazer minha conta diminuir.

---É mais interessante para nós que senhor mantenha a linha funcionando em vez de mandar desligá-la por não suportar os gastos, o que aliás tem ocorrido bastante atualmente, respondeu.

---Faz sentido, falei.

E quis saber mais, pois de fato minhas despesas com telefone estavam exageradas. A oferta era de mais uma linha que seria usada somente para ligações locais, com 100 pulsos grátis, pela qual eu pagaria a bagatela de 31,00 por mês. Fiquei animado e até forneci dados pessoais para o cadastro. Mas num lampejo de prudência, disse que queria pensar mais e decidiria no dia seguinte. Resolvi então estudar minha conta telefônica e pesquisar sobre tarifas no site da empresa de telefonia. Ao tirar as conclusões senti um alívio por haver adiado a decisão. Armei-me de argumentos e fiquei aguardando a ligação do vendedor.

---Boa tarde Sr João, estou ligando para saber qual dia e o horário de sua preferência para que seja instalada a nova linha, veio logo dizendo cheio de confiança.

---Olha, eu mudei de idéia. Pensei melhor e não vou mais querer a linha.

---Mas porque? Esta é uma oferta excelente e por tempo limitado. Ontem o senhor estava animado e ficamos praticamente fechados ontem.

---Eu fico com a linha se você me explicar uma coisa: o preço médio do pulso é 14 centavos o que quer dizer que 100 pulsos ficam por 14 reais. Instalando mais uma linha estarei pagando 31,00 pelos mesmos 100 pulsos. Por esse raciocínio não é preciso ser gênio para concluir que meus gastos irão aumentar em vez de diminuir.

--- ......................(silêncio)

--- E então, o que você me diz?

--- Aguarde um instante por favor que vou perguntar a meu chefe.

Esperei por alguns segundos e ele retornou:

--- Senhor João?

--- Pois não.

--- Nossa companhia agradece sua atenção e lhe deseja uma boa tarde.

Certo está meu velho pai ao afirmar que dificilmente alguém te procura para te dar lucro. Respeito essas pessoas que estão simplesmente ganhando o pão de cada dia, mas isso não quer dizer que eu deva comprar tudo que me oferecem.

Outra categoria que incomoda bastante são os seguidores de certas seitas religiosas que vão de casa em casa querendo ¿evangelizar¿ seus moradores. Normalmente não passam de chatos, fanáticos e muitas vezes pessoas desequilibradas, apesar de bem intencionadas. E são insistentes os danados! Pois bem, descobri que essas pessoas tem birra da igreja católica. Se você disser que é espírita, umbandista, ou algo que aos olhos do vulgo possa representar algum tipo de ocultismo ou mistério, eles te deixam em paz rapidinho. Não sei se por receio ou respeito, só sei que não se metem a besta. Mas se disser que é católico, se prepare para a investida.

Certa vez uma senhora tocou o interfone em minha casa querendo um instante de minha atenção para transmitir o que ela denominou de ¿A palavra da salvação¿. Disse ainda pertencer a uma congregação evangélica cujo nome não me lembro, afinal são tantas!

---Eu vou lhe agradecer, mas eu sou adepto do Candomblé, respondi colocando em prática minha tática.

---Deus me livre, o senhor não tem medo do juízo final? Foi a resposta que ouvi.

---E a senhora, não tem juízo afinal? Vir me incomodar justamente no momento em que estou invocando meus Orixás?

---Meu Deus, que horror. Eu vou orar para salvação da sua alma, disse ela já batendo em retirada.

---Um axé pra senhora também, falei.

Ainda pude ouví-la dizer já distante do interfone:

---Sangue de Jesus tem poder.

João Eduardo
Enviado por João Eduardo em 17/09/2006
Código do texto: T242673