SALVE, RAINHA DO ROSÁRIO

Certa pessoa com quem brigo e faço as pazes desde a época dos bancos ecolares,um dia qualquer lendo as memórias que alinhavo sob o título de "Crônicas" - por pura implicância - me chamou de 'a favor do contra'. Vá lá! Na verdade ela disse que aproveito este 'dom' para falar mal dos outros! Nada mais oportuno, então, que me ocupe hoje da Festa de Nossa Senhora do Rosário - a Congada ou Reinado, que talqualmente o Carnaval movimenta Bom Despacho por uma semana inteira. Revelou-me um congadeiro que a festança começa meses antes de Agosto, nos ensaios, e se prolonga por dias e dias após o descimento dos mastros - aqueles postes de madeira enfeitados com fitas coloridas, onde se hasteia a bandeira da Senhora -, com o batuque de caixas, sanfonas e cavaquinhos retumbando nos ouvidos.

Para não cansar a beleza de possíveis e sensíveis leitores, evitarei repetir detalhes religiosos ou folclóricos da festa, de como os escravos a criaram partindo de costumes contrabandeados para cá, nos porões dos navios negreiros - seus reis, rainhas, princesas... Porém sendo do contra e sem que tomem por afronta à fé, lembro de relance o povo que faz a Congada. Entre os dançadores de um corte de reinado o mais importante é o capitão, seguido por sanfoneiros, violeiros, tocadores de cavaquinho, pandeiristas servindo os demais para espichar fila, ou como dizia meu avô: - Pato, angola, peru e carneiro: é tudo enchimento de terreiro!

Disconcordo, pra variar! Um corte de dançadores não existe sem um bom batedor de caixa. Entre nossos ‘caixeiros’ famosos nunca vou esquecer o Jair Guarda-roupa (ele ganhou tal apelido ao ser pego em flagrante, econdido no dito móvel, numa incursão amorosa mal-sucedida por cama alheia...) Figuraça! Mas o grande sonho do Jair era tocar cavaquinho, danaçando fardado, na fila (o ‘caixeiro’ vai por fora das duas alas do corte, para não estorvar as evoluções). Seus companheiros, certa vez, lhe deram este presente, que por um descuido de Nossa Senhora durou só até depois do almoço. É que o Giarda-roupa: bom de caixa e melhor ainda de apetite, num café oferecido por festeiros, resolveu se garantir com pedaços extras de bolo coberto com chantilly, nos bolsos... Saindo ao sol a lambança estava feita e ele de volta à caixa, sem farda, fora da fila.

Como não lembrar, também, do Pelé? Obviamente um negão espigado, morador nas imediações da Rua do Capim, que batia caixa saltando igual perereca no asfalto quente! Num Agosto passado, durante a procissão de encerramento da festa ele vinha todo assanhado, quando um daqueles ganchos que seguram seu instrumento pescou a barra da saia de uma senhora... E o Pelé saracoteando, arrastava a velha! Até que numa ginga mais estouvada arrancou-lhe em definitivo a vestimenta, deixando a coitadinha só de combinação... transparente! Era o crioulo pulando, e a mulher atrás, querendo recuperar a saia, e ao mesmo tempo lhe batendo com a sombrinha!

Por estas e outras razões - nem todas santas -, a festa de Nossa Senhora do Rosário faz parte do roteiro turístico-religioso de Bom Deapacho - com muita honra para fiéis e infiéis.

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 11/08/2010
Reeditado em 11/08/2011
Código do texto: T2431642