O relógio do meu avô

Depois de quase seis décadas, o relógio chegou! Gentilmente entregue pela tia Tita e por suas filhas para a minha mãe, o relógio ocupou seu lugar.

Eu não conheci o meu avô. Ele faleceu 4 anos antes de eu começar a enxergar esse mundo. Mas minha mãe comentou em várias ocasiões, e com uma certa dose de amargura, não ter nenhum objeto guardado do tempo do seu Iago Sartini.

É um relógio de bolso, bonito, dobrável, com o seu nome gravado na parte interior. Quantas vezes eu ouvira falar desse relógio! O relógio do meu avô!

Como será que ele enxergava o tempo? O que ele esperava das coisas da vida? Quantas vezes contou o tempo para que algum filho chegasse ao mundo e terminassem as dores do parto da minha avó! Será que retirava o relógio do bolso do paletó e esperava a guerra terminar? Quem sabe pensava na tragicidade da condição humana num país que não conheceu, mas onde teve suas raízes culturais e éticas! O tempo era registrado lentamente no relógio e a guerra assolava o mundo e a sua distante Itália... Ele era filho de italianos, mas certamente alguma tristeza lhe perturbava a alma por toda a insanidade que uma guerra representa. O país dos Sartini estava arrasado! Primeiro pelo Mussolini, depois pelos exércitos inimigos. Pode até ser que ele contava os minutos e pensava em como seria o mundo depois do desastre.

Ele deve ter contado o tempo quando saiu do interior das Alterosas para se deslocar para São Paulo com a família... tentando que os filhos estudassem... e estudaram.

Olhou para o relógio para tomar o trem, para descer na Estação da Luz ... e recomeçar. E como deve ter sido duro o recomeço! Na Cantareira, lugar de muito trabalho para manter o paulistano alimentado e em dia para as suas funções! Com certeza, contou as horas para que o tempo passasse e os filhos se ajeitassem na vida. Cada um no seu lugar de trabalho. Cada um colhendo os frutos dos anos de escola, compondo as suas famílias e rezando para que nunca se abandonassem. Ele deixou escrito, como a manifestação da mais amorosa herança, que a família deveria permanecer sempre unida. Ao longo dos tempos e esse tempo poderia ser contado por qualquer relógio, não necessariamente o dele, dobrado timidamente, guardado no bolso, gravado o seu nome: Iago Sartini.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 14/08/2010
Reeditado em 14/08/2010
Código do texto: T2437592