TIROTEIO NO FORRÓ

Para: Maria Olímpia/Merô, dona da risada mais gostosa de Lavras-MG

Dizem que a fronteira entre lucidez e loucura é algo tão frágil, quanto folha de jornal. Não sei se por conta do clima, ou da água, Bom Despacho sempre teve doidos perambulando pelas ruas. Tantos que, em determinada ocasião, uma Autoridade entendeu de embarcá-los, à noite, num ônibus, exportando para Barbacena. Sobrou o João Sapato, aluado, que nas missas da Matriz - sujo como um baixeiro -, achegando-se às senhoras mais vistosas, provocava reboliço, dizendo: "Encostar em mulher bonita é bão!...” Sobrou a Geralda Futrica, zureta, que aos finais de semana “atendia” na Rua da Garça - zona boêmia -, e na segunda-feira, de salto alto, vestido estampado, boca borrada de batom desfilava pela cidade inteira repetindo que nem realejo: “Regenerei, viu?...” Sobrei eu, aloprado, que nestas crônicas insípidas destilo minhas neuroses, como a de não me deixar fotograf cismado que meu próximo retrato será também o da ‘lembrancinha’ distribuída no meu velório...

Por falar em fotografia, certo conhecido, lá de Belo Horizonte, me disse que se alguém for a Nova York e não trouxer uma foto aos pés da Estátua da Liberdade, não conheceu a cidade; quem voltar de Paris, faltando o retratinho com a Torre Eiffel, ao fundo, idem; o Coliseu, em Roma... Para não deixar barato, provoquei: - Indo a Bom Despacho, o turista que não tirar nem que seja uma três por quatro na escadaria da Igreja Matriz; não beber água da Fonte da Biquinha; e nem dançar forró no Salão do Zé de Anízio (onde, felizmente, retratos são proibidos), não visitou a cidade.

Assim desafiado, curioso, tempos depois desembarcou ele na terrinha, vindo conferir a atração turística. No Salão foi impossível não reparar nos avisos, escritos à mão em cartolinas pregadas nas paredes: “Não é permitido dançar mais de duas músicas com a mesma mulher!” “Use a privada só para mijar!” “Será expulso se dançar homem com homem, ou mulher com mulher!” "É proibido permancer bêbado no Salão!" “Não pode dançar fumando, de chinelo e sem camisa!” "Homem não pode entrar no banheiro de mulher!" Anúncios do cardápio, informavam: “Um dedo de pinga, deitado no copo = Setenta centavos”. "Cada mãozada de paçoca = Um Real". “Uma asa de frango frito = Cinquenta centavos”. Com fama de funcionar há quase meio século, sem registro de ocorrência policial, tivemos ali uma noitada inesquecível. À saída, encontramos o Geraldinho Goiano, do outro lado da rua, se lamentando inconsolável: - Eu, que já varei noite dançando forró neste Salão, fui proibido de botar o pé na soleira da porta! E, no balcão de um boteco vizinho nos contou sua tragédia ou comédia?

Numa viagem pelo interiorzão de Goiás - Itumbiara, Jaraguá –, comprando arroz para a Cerealista Leão e também querendo fazer média com o proprietário da casa de rala-buchos, trouxe um fita ‘xonada’ do Trio Parada Dura! Sábado à noite, banho tomado, desodorante nos sovacos, lá veio ele todo pimpão. - Sô Zé, comprei um presentinho especial, pro senhor! E entregou a fita. Em retribuição, logo o empresário mandou tocar a novidade. Não cabia mais ninguém no Salão. Porém, num destes imperdoáveis descuidos do destino, a caixa era do Trio, mas na loja a fita fora trocada por outra de modões com Léo Canhoto e Robertinho. Como desgraça pouca é bobagem, a primeira música era uma tal História do Homem que Matou o Homem Mau, começada com um tiroteio de meter medo em morador de morro carioca! Ao ouvir as saraivadas de tiros da fita, como se balas zunissem sobre suas cabeças, acreditando tratar-se de tiroteio de verdade - sempre há uma primeira vez, para tudo na vida - os forrozeiros se debandaram: pernas para que vos quero! A porta do estabelecimento ficou estreita para tanta gente sair, ao mesmo tempo. Por milagre ninguém morreu pisoteado, espremido. Passado o susto, damas nem cavalheiros quiseram retornar ao Salão. Daí, bigodão tremendo como se estivesse de maleita, o sô Zé gritou furioso pro Geraldinho: - Moleque! Olha o tamanho do prejuízo que me deu! Pra pagar, vai ficar um ano de balão, sem pôr um pé aqui dentro!

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 19/08/2010
Reeditado em 16/04/2012
Código do texto: T2446477