Não vi nada!

Sua vida era a estrada, desde a infância sonhava em ser caminhoneiro e mesmo após tantos anos de profissão, ainda sentia a mesma emoção de quando mais novo, o ronco do motor o deixava em êxtase. Dirigiu o primeiro caminhão quando tinha quinze anos e desde então não parou mais. Aos trinta comprou o seu primeiro caminhão. Construiu a sua vida dentro de uma boléia, casou, teve filhos, passou a juventude viajando pelo Brasil. Durante todo este tempo passou por diversos percalços e viu a imprudência de muitos motoristas terminarem em acidentes fatais, já tinha visto quase tudo e acabou acostumando-se com a dureza que a profissão impunha.

Histórias não faltavam a ele, em casa contava a esposa as loucuras que vivia Brasil afora para trazer o leite das crianças, e muitas vezes acabava rindo de si mesmo. Com cinquenta anos, não tinha a mesma ambição de antes, queria aproveitar mais o máximo de tempo com a sua família, decidiu viajar apenas pelas estradas de São Paulo, lugares onde podia ir e voltar em um dia. O seu maior desanimo eram os grandes congestionamentos que enfrentava todos os dias, chegava a ficar irritado com a quantidade de carros circulando.

E foi em um desses congestionamentos que viveu uma das experiências mais inusitadas da sua vida, uma hora já havia se passado e não andara cinco quilômetros, o calor do motor além de um calor de 30 graus, deixava o ambiente insuportável, a poluição do ar e a angustia de chegar ao destino, o deixava mais nervoso. Ligou o som para descontrair e começou a observar a paisagem ao seu redor, sempre passava por ali, contudo nunca teve a oportunidade de parar e admirar.

De repente parou um carro do seu lado, no início nem dera tanta importância, afinal tratava-se de apenas mais um dentro de milhares que circulavam por ali, mais algo começou a intrigá-lo, uns barulhos estranhos vinham de dentro do carro, resolveu olhar mais atentamente e viu um casal literalmente aproveitando o congestionamento, estavam transando sem qualquer pudor, ficou a observar todo o movimento, até ser descoberto pela mulher que enquanto fazia um... percebeu o seu olhar indiscreto.

Até tentou disfarçar, desviando os olhos para outro lugar, mas foi surpreendido com uma batida na porta e um revolver apontado para a sua pessoa:

- O amigo, perdeu alguma coisa dentro do meu carro?

- Eu? ÉÉÉ... não! Não vi nada!

- Tá a fim de tomar uns pipocos?

- Pelo amor de Deus tenho família para sustentar!

- Pois bem, fica na sua e ai de eu ver você olhando para o lado...

De branco ficou azul, roxo, amarelo, ainda tremia com a situação quando os carros começaram a andar, depois de tantos anos não conseguia dar a partida e sair com o seu caminhão. Nunca tivera uma arma apontada para a sua cabeça, e o desespero o fez desmaiar em plena Marginal. No hospital recebeu a visita de sua esposa, que estava angustiada com o acontecido:

- Amor, o que aconteceu? Que susto! Já disse para não trabalhar tanto...

- Foi nada não, deve ter sido o calor!

- Um calorzinho desses ia te derrubar? Fala a verdade...

- Eu já disse que não vi nada, eu não vi nada!

E sem entender nada com o que ele dizia, a mulher acabou concordando que o calor realmente era a causa do seu desmaio.

Regor Illesac
Enviado por Regor Illesac em 24/08/2010
Código do texto: T2456281
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