O VELHO PATRIARCA

Sempre me vem à lembrança, os conselhos do nosso velho patriarca, com seus cabelos brancos, corpo levemente inclinado para frente reflexo do trabalho duro de toda uma vida, ele falava com sua voz suave mais sempre de forma firme, algo que contribuiu para que nunca fosse questionado sobre suas decisões, sempre acatadas, também com aquele jeito fraterno e amoroso não tinha como discordar, aquele chinelo de couro bem típico do homem nordestino na sua essência, que lembrava muito os frades franciscanos que habitavam as pequenas cidades do interior, assemelhava-se muito, inclusive no voto de pobreza, mais visto sobre aspectos diferentes, enquanto frades fizeram o voto por opção, nosso velho patriarca o fez naturalmente por necessidade, coisa que a vida no decorrer dos seus vários anos, mesmo com o suor do seu rosto não foi capaz de mudar, mais deus lhe deu sabedoria, que mesmo vivendo em meio a tantas dificuldades foi capaz de ensinar, educar, amar, aprender, coisas simples que nunca aprenderemos na melhor das faculdades.

Gostava quando ele começava a contar suas histórias, que pela forma como narrava pareciam mais aventuras, do seu tempo de menino até quase no fim dos seus 93 anos, lúcido e com o jeito amoroso de sempre, limitado pelas marcas que o tempo lhe trouxe, não tinha o mesmo vigor, até a paciência chegava por vezes faltar, quando fazíamos alguma travessura, mais logo tratávamos de dizer que o amávamos, sua resposta era um sorriso, nossa reação era um abraço, dias que lembro com tanta saudade e um pouco de tristeza em saber que nunca mais irão voltar, mais de tantas lembranças continuam vivos em minha memória, quando estou cercado pelas paredes de concreto que construo por conta de meus erros, logo tento derrubá-las e construí-las novamente só que com portas que permitam sair, mesmo que para o cômodo ao lado, assim vou vivendo passando os dias, resgatando e aplicando de forma concreta os princípios de meu velho patriarca, ele vivia em um cenário de tanta dificuldade, mais sempre tinha algo melhor do que reclamar, me recordo quando ele chegava, com sua calça velha, com alguns rasgos, devido ao trabalho no campo, tanta simplicidade naquele rosto cansado, mais sempre com semblante tranqüilo e aquele sorriso único, quanta falta ele me faz, quando atrapalhava o seu precioso sono do meio dia, hora quase impossível de trabalhar devido ao sol escaldante, único momento de descanso que tinha direito, até chegar a noite, trabalhava cantando ao mesmo tempo que plantava o alimento tão necessário, na esperança de que a chuva que não gostava muito de aparecer para as bandas do sertão, o visitasse nem que fosse com poucas gotas, que seria o suficiente para que as sementes se fortalecessem e gerassem aquilo que futuramente seria seu alimento, ele manteve sua honestidade e simplicidade até o último dia de sua vida, me reporto e lembro de uma das conversas que tivemos em minha partida:

Patriarca- acredito que por onde tu andarás não estará mais na companhia de teu velho pai, minhas orações e pensamentos estarão sempre contigo.

Filho- imagine logo estarei de volta

Patriarca- garanto que não verás mais teu velho pai

Nesse momento senti algo diferente como quem concordando meio contra gosto, em silêncio permaneci, lhe dei um longo e forte abraço, não contive as lágrimas, e ele estava mais uma vez com a razão, foi à última vez que vi, abracei e ouvi o meu velho patriarca.

Anos depois recebi a notícia que ele havia partido, deixou um legado, de amor, de princípios, de honra, dignidade, coisas básicas que à medida que tento na minha humilde e limitada existência fazer com que mantenha viva a figura do meu velho patriarca, percebo que na sociedade que escolhi, me inseri, essas coisas estão cada vez mais difíceis, talvez pela vontade de querer sempre mais, dinheiro, sucesso, status, reconhecimento por parte da classe que participa. Graças às palavras de sabedoria daquele homem, me mantenho firme nos propósitos de que o amor, a solidariedade, e a verdade são mais fundamentais do que qualquer outro tipo de recompensa, façamos da nossa vida uma conquista que comprove que a verdadeira felicidade pode ser refletida na vida de hoje, da mesma forma que refletiu na vida simples, daquele homem que viveu e cumpriu seu papel da forma mais digna e correta, mesmo em meio a tantas adversidades, basta que levemos na memória tudo aquilo que pregava aquele velho patriarca.

MÁRCIO GOMES
Enviado por MÁRCIO GOMES em 26/08/2010
Reeditado em 07/06/2019
Código do texto: T2461588
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