NO MEU TEMPO...

Por falsa modéstia digo que não sei escrever, e meus leitores cabem numa Kombi. Papeata! Vocês já se deram conta desta humildade que não tenho. Contudo, uma alma amiga julgou por bem dar-me um toque, pois mesmo redigindo coisas ‘engraçadinhas’ seria conveniente que mudasse minhas estórias e linguagem para o século XXI. Valeria a pena? Sinceramente, tenho medo de não me adaptar, porque...

Sou do tempo que as moças casavam vestidas de branco, na igreja, exalando virgindade; enquanto os rapazes perdiam a deles, na zona boêmia; do tempo que as mães, com barrigas enormes, vendo um avião cruzar o céu, mandavam as crianças gritar “avião, joga um nenenzinho pra mamãe!” E como éramos ingênuos, obedecíamos.

Sou do tempo de galinhas e pés de frutas nos quintais, do forno de barro para assar quitanda, fogão de lenha, do ferro de brasa para passar roupa; de quando casa de carne se chamava açougue, supermercado era armazém; quando se punha asa em latinha de massa de tomate, pra virar copo; de quando a noite se alumiava com lamparina de querose; usava urinol embaixo da cama, banheiro se chamava privada e ficava no fundo do terreiro da cozinha. Tênis tratava-se por quédis; calça jeans era calça faroeste; quando se punha meia-sola nos sapatos, e ninguém pensava em tratamento dentário: extraía-se logo aquele que incomodasse.

Sou do tempo que os rapazes cortavam o cabelo estilo Príncipe Danilo, raspado na lateral da cabeça, dadeixando o sujeito parecido com índio moicano; no footing da praça trajavam camisa volta-ao-mundo; as moças de blusa ban-lon e saia plissada, com anágua por baixo, ostentando penteados altos na cabeça, fixados com laquê; indo à piscina usavam maiôs listrados, de uma peça.

Sou do tempo das novelas no rádio, pois televisão era luxo de rico, ouvia-se música em discos de vinil, tocados na radiola. Do tempo que se almoçava e jantava em casa, e fast-food era palavrão impronunciável. Não haviam inventado agrotóxico e as plantas da horta eram adubadas com esterco de gado, trazido das fazendas. Passava café em coador de flanela e adoçava com rapadura.

Sou do tempo que ônibus era jardineira, rodando em estradas de terra. Do tempo que homem se barbeava com navalha, mas não se depilava... mulher também não! Que não pegava bem senhorita dirigir automóvel, ir a festas sozinha, e se bebia acompanhada por homens em mesas de bar dava motivo para ser mal-falada.

Sou do tempo que padre usava batina; de quando saindo à rua, em dias de chuvas, se calçavam galochas nos sapatos; música caipira ainda não era sertaneja, e muito menos universitária; não havia funkeiros, axé, pagodeiros e outras pragas barulhentas. Do tempo que meninos ricos, pelo Natal, ganhavam velocípedes e meninas bonecas de louça, que choravam e diziam “I love you" - em inglês!

Sou do tempo das retretas dançantes, dos coretos nas praças, da meninada trocando revistas em quadrinho na porta do cinema. E depois da matinê vinha um episódio de seriado... Sou do tempo, enfim, que as pessoas se respeitavam, eram solidárias, amavam-se. E como dizia o Rei da Juventude - Roberto Carlos - numa de suas canções de sucesso “a felicidade até existe...” Qual seria o nome a ser dado para estes ‘sentimentalismos’ - hoje em dia?

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 26/08/2010
Reeditado em 08/02/2011
Código do texto: T2461750