Historieta de fantasmas 2

Otávio finalmente conseguiu passar no vestibular para a universidade que sempre sonhou. O único problema agora era arranjar um local para morar por quatro anos já que o alojamento da universidade estava lotado, então a única saída era procurar uma república.

Depois de bater perna o dia todo Otávio descobriu uma que ainda tinha uma vaga, a república ficava a algumas quadras da universidade e fazia fronteira com o muro do cemitério antigo da cidade.

Otávio achou muito estranho uma república tão perto do campus ainda ter vaga sobrando e foi lá conferir o porquê.

A razão era simples, tinha uma tarefa a se cumprir para ocupar a vaga. Os “donos” da república exigiam que o candidato à vaga entrasse à meia noite no cemitério e surrupiasse uma caveira, isto é um crânio humano. Que deveria ser apresentado a eles que, se encarregariam de devolvê-lo no dia seguinte. Seria uma tarefa fácil para qualquer um que fosse destemido, mas, corria um boato na cidade de que o cemitério era guardado pelo fantasma de um homem que morreu decapitado no século 19 naquela mesma cidade.

Dizem os mais velhos que em noites de nevoeiro ele monta guarda no portão do cemitério.

Depois de ouvir a proposta e a história Otávio disse: - Beleza, hoje vocês vão ganhar um novo colega de classe.

Cabe a mim fazer aqui um parêntese para explicar um pouco da vida de nosso personagem.

Otávio era um jovem diferente de todos os outros. É meio difícil descrever seu perfil, mas uma coisa é marcante, ele não acredita em nada. Incrédulo, céptico, descrente... esses termos não serviam para ele. Aliás, no dicionário não existe termo para aquilo que ele era, além do mais Otávio não acreditava em dicionários.

Imaginem que: se São Tomé tivesse tido um seguidor esse seria o Otávio, mas ele também não acreditava em São Tomé e nem na própria Bíblia, ele dizia que o livro mais vendido no mundo inteiro era uma obra de ficção.

Em suma o materialista mais ortodoxo ficaria pouco à vontade perante Otávio.

Voltando à narração. O Binho e o João os “donos” da república estranharam a calma e a rapidez de Otávio a aceitar a tarefa sem questionar as regras ou tentar mudar alguma coisa.

Binho perguntou: - Você não tem medo de entrar no cemitério à noite e pegar uma caveira de lá?

- Medo? Não. O único receio que tenho é o de me arranhar em alguma coisa e pegar tétano.

- Mais respeito com os mortos, cara! – Disse João.

Otávio lascou logo de primeira uma frase do Ruckleberry Finn que ele leu no romance de Mark Twain: “- Os mortos não são criaturas com as quais se deva perder tempo.” E de mais a mais depois da morte tudo acaba.

- Cara você não tem medo de fantasmas?

- Tenho mais medo dos vivos. Os mortos não importunam ninguém e hoje à noite eu vou provar isso.

Quando o relógio da matriz marcou meia noite Otávio protegido do frio por uma capa que ele herdara de seu avô tomou o rumo da antiga necrópole. Só que antes dele cruzar os umbrais do campo santo uma densa neblina desceu sobre a cidade. Não se enxergava nem a meio metro à frente apesar de ser uma noite de lua cheia.

Não demorou muito e já fazia o caminho de volta, com um sorriso mal disfarçado nos lábios e um saco preto embaixo do braço contendo o “ingresso” para sua nova casa.

Andou cautelosamente temendo, não o guardião fantasma, mas sim cair em uma cova aberta devido à falta de visibilidade que impunha o nevoeiro.

Tudo ia bem, mas... ao passar pelo velho portão alguma coisa o puxou pela capa. Otávio a puxou de volta e recebeu outro puxão e quase caiu sentado. Se equilibrou, firmou os pés no chão, segurou a capa com a mão que estava livre e resolveu acabar de vez com aquele “cabo-de-guerra” dizendo:

- Olha pessoal, não tem graça! Eu estou com frio e cansado. – Depois puxou a capa com todas as suas forças.

Nessa hora Otávio viu por entre a neblina uma silueta se aproximando, era enorme e estava segurando a ponta da sua capa e parecia que não tinha cabeça... e pior estava vindo para cima dele.

Otávio, com todos os pêlos de seu corpo arrepiados, levou a mão até o botão que prendia a capa e o soltou, saiu correndo dali gritando apavorado: - Pode ficar com a capa! Eu vou dormir na minha nova cama... Depois de trocar de cueca...

No outro dia, com sol brilhando, ele se dirigiu ao cemitério disposto a recuperar sua capa. Nem precisou procurar muito, ela estava presa em um prego que saia do portão. Otávio reparou bem no portão, ele era meio estreito e tinha a parte de cima arredondada e percebeu... que à noite, com uma neblina densa, a luz da lua cheia... talvez... ele se parecesse com uma pessoa grande e sem cabeça.

Agnaldo Billy Vergara
Enviado por Agnaldo Billy Vergara em 28/08/2010
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