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VOCÊ JÁ SENTIU RAIVA, HOJE?

O título desta crônica poderia ser até um nome de música. Mas não é. Particularmente, tenho problemas com essa tal de raiva. Senti-la é motivo de aprofundamento em mim mesma para me dizer, olhando nos meus próprios olhos, este sentimento não pertence a você. Tá bom! Você aí não precisa me acusar. Confesso: tenho culpa por sentir raiva. Nem que seja aquela bem pequenina. Por isso, quando ela surge, dou logo um jeito de vesti-la com uma bela roupa e enfeitá-la com todos aqueles ridículos badulaques.

A nudez da raiva me incomoda. Não foram raras as vezes que busquei apoio nas leituras, nas rezas, nos mantras, principalmente naquele AUM, ou seja, o tão famoso ”Ôm”, para confrontá-la. Você não existe. Você é uma ilusão. Você é uma impostora. Foi criada pela minha imaginação só para me perturbar. Só para me enlouquecer e me deixar sem lugar. 

Meu amigo, a Raiva existe. Tem alma. Quando cisma, não há quem a faça parar de andar atrás da gente como uma sombra. Ela não é uma assombração. Ela é real. Não é felina como a ansiedade. Ela faz barulho quando chega. Nem Jesus escapou dela. A raiva também não é irmã do ódio, como tantas pessoas pensam. Ódio é outra coisa e este não cabe aqui. A bola da vez é a raiva.
 
Raiva não é pecado. Raiva não é insanidade. É a manifestação de repúdio a nossa própria fragilidade. Ela é irritante.  Fomos pegos, por nós mesmos, com a boca na botija de alguma insegurança ou de alguma frustração.  

Você já ouviu de alguém que sentir raiva é infantilidade? Que  raiva é nefasta à saúde? Nefasto é você engolir tudo e fingir tudo bem. Quantas vezes você teve vontade de mandar alguém pra aquele lugar e não o fez por ser um ser superior. Quantas você não conseguiu dormir, não conseguiu parar de pensar o quanto foi imbecil? E mesmo assim se culpou por estar com ela, a raiva, ladrando em você.

Lembra daquela pessoa desvairada, que nas horas turbulentas dela, sempre liga pra você pedindo para ser ouvida, no meio da madrugada, porque está deprimida, com medo ou não consegue dormir e você sempre o atende de prontidão só para acalmar a sua alma, quero dizer a dela, mas é incapaz de ligar pra saber como vai você?  E quando você gostaria de lhe contar algo, ela não atende ao telefone, ou quando atende e não lhe ouve, porque é quase o dona do mundo, tem muita coisa pra fazer, no momento não pode lhe atender? Lembra daquela pessoa que quando lhe procura tem um letreiro na testa escrito, eu só dou as caras quando preciso de alguma cosa? Lembra daquela pessoa que elogio é uma palavra inexistente no seu dicionário, só sabe enxergar os defeitos dos outros e não tem nenhum pudor em tecer comentários indesejáveis sobre você e outras pessoas? Lembra daquela pessoa que quando você abre a caixa de e-mails, por acaso tem um dela, você já se arrepia? Lembra daquela pessoa que no MSN lhe travou, mas quando a urgência é dela, fica verdinha, verdinha e ainda diz oi...... (assim mesmo cheio de reticências)?  Lembra daquela pessoa que lhe diz um monte de mentiras - você sabe que são mentiras – mas você pactua silenciosamente fingindo acreditar, só para não magoá-la? 

            Em todos esses casos você teve vontade de xingar. Não sei se você sabe, mas xingar é a linguagem da raiva. Porém, você é um ser superior e não xingou. Vamos lá, xingou por dentro. Ao mesmo tempo, passou um sermão desconcertante em si mesmo!

Aê...tomou um susto. Peguei você em flagra!

Não precisa se justificar. Você é convincente. As pessoas precisam de você. Você é onipotente, onipresente, onisciente. Eu ainda lhe digo, com todas as letras, você também é C-U-L-P-A-D-O. Culpado sim, dada a sua permissão delas pensarem isso de você. Acharem você  imune à raiva. Afinal, você nunca a manifesta para com os outros. Você é um salva vidas treinado. Só não salva a sua própria. A raiva explode silenciosamente dentro de você, mas você a ignora a nomeando de irritação.  

Por que nunca teve coragem de dizer a elas: sou como todos vocês. Tenho medo e quero companhia. Tenho um segredo pra contar. O meu projeto novo está me fazendo voar . Estou triste, quero colo. Estou com insônia? 

Hoje, você tentou falar com aquela pessoa, mas ela, como de hábito, ignorou os seus problemas. Ela tinha muitas coisas importantes para fazer e não podia desperdiçar cinco minutos com você. Você queria falar algo muito importante. Você ficou chateado e desligou o telefone.
 
Chateado? Chateado uma ova. Admita, você ficou com raiva. Não a repudie.
 
Da próxima vez, pegue o telefone e ligue de novo. Até pode, mas não precisa dizer nenhum palavrão. Apenas diga: Voltei a ligar só para lhe perguntar se você já sentiu raiva hoje? Eu senti e ESTOU sentindo muita RAIVA de VOCÊ agora.

Desligue o fone e não atenda se ela lhe retornar a ligação.

Garanto-lhe, é um alívio!