Quase Perfeito

Estavam eles, frente a frente, em uma batalha de perguntas e respostas. Não deveria ser assim, afinal o interesse é mútuo. Mas a situação é tensa; olhos que buscam olhos, olhos que desviam olhos, em um jogo do tipo “decifra-me ou devoro-te”. O entrevistador dispara a pergunta, seguido de um olhar “agora quero ver como tu te sais”. O entrevistado respira, pensa, respira, pensa, e devolve com uma certa insegurança contida de um “sai-me bem, não é?”.

A entrevista de emprego é uma situação bastante peculiar. Embora os envolvidos digam o contrário, o ambiente é arquitetado artificialmente. As perguntas são cheias de segundas intenções e as respostas friamente calculadas.

- Como tu te imaginas daqui a dez anos?

- Tal como agora; mas no teu lugar, entrevistando um cara tão bom quanto eu.

Os candidatos dificilmente têm defeitos. Incrível. Somente qualidades: formação destacada, conduta irrepreensível e experiência abundante. Aliás, se experiência fosse tudo, o homem nunca teria pisado na lua... ou será que não pisou? Enfim, o maior trabalho do entrevistador é minerar um defeito, por menor que seja, no currículo do candidato. Alguns tentam por vias mais longas, outros são mais diretos:

- Qual o seu maior defeito?

- Eu sou muito perfeccionista.

Perfeccionista! E ainda por cima, muito. O maior defeito encontrado em uma entrevista de emprego é o tal do perfeccionismo. Pior! Depois de contratado, o sujeito não consegue se livrar do defeito. Em umas noventa porcento das entrevistas com pessoas de sucesso, dessas que são publicadas em jornais e revistas, o defeito mais declarado é o perfeccionismo. Isso significa que o perfeccionismo acaba snedo o maior vilão nas carreiras de trabalho. Se o indivíduo não tiver essa tendência exagerada em buscar a perfeição, daí sim a carreira é perfeita.

Uma das mais interessantes entrevistas de emprego aconteceu com o Nário. Ele estava se candidatando a uma vaga para atendimento ao usuário. O entrevistador, muito ortodoxo, aplicou:

- Qual o seu maior defeito?

- Eu minto sempre. - aplacou sem vacilar.

O entrevistador ficou perplexo. Estava preparado para ter a sua frente um candidato perfeccionista ou algo no gênero. Um mentiroso deixou-o sem reação. Olhou para o formulário; nem havia a opção de mentiroso para assinalar. Coçou a cabeça: - Puxa! O cara mente. Sempre! - Respirou, pensou, respirou, pensou, suspirou e falou:

- Ok! Assim que tivermos uma posição, entraremos em contato. Muito obrigado, Sr. Nário.

Claro, a resposta foi muito capciosa. Muito hábil para a capacidade de um entrevistador padrão. Como pode um mentiroso afirmar que mente? Quando ele se deu conta da genialidade do paradoxo, um perfeccionista qualquer já estava contratado para a vaga.