O CARIOQUÊS DA FILHINHA

A “Filhinha” era uma das filhas (quatro ao todo) do Geraldo Cheiroso, um moreno bom de bola que jogava no time do “Renascença”, esquadrão formado por operários da extinta indústria têxtil que dava seu nome ao bairro da região nordeste de Belo Horizonte, nos anos cinqüenta.

O Geraldo era casado com a Dona Lourdes, trabalhava na fábrica e, nos fins de semana, quando não havia jogo, ajudava a mulher e as filhas na pequena lavanderia que tinham no quintal da casa, passando e entregando roupas por toda a vizinhança. Caprichoso, ele andava na estica, cabelo crespo bem aparado, bigodinho fino, nigérrimo, emoldurando a boca de dentes perfeitos, gentil e educado, o homem e sua família eram admirados por todos do bairro.

A “Filhinha”, a filha do meio, morenaça de carnes bem fornidas, seu xodó, foi passar uns tempos no Rio de Janeiro, onde tinham parentes em Bangu, um irmão do Geraldo, o Aparecido e sua mulher carioca, a Esmeralda. Na casa dos tios a “Filhinha” se hospedou e curtiu bastante, passeando muito com as primas, conhecendo os pontos principais e as belezas da Cidade Maravilhosa, tomou contato com a água salgada do mar, queimou a pele nas praias cariocas, Copacabana, Ipanema, Leblon, subiu ao Corcovado e visitou o Cristo Redentor, andou no bondinho do Pão de Açúcar, viu um “Fla-Flu” em pleno Maracanã lotado, enfim, tomou um verdadeiro porre carioca.

Passados uns três meses, desembarca a “Filhinha” em Belô e, já na estação ferroviária, dava mostras da sua mudança radical tanto na fala chiando nos “esses” como nos modos, nas roupas e no penteado. Desprezou o bonde e foi de táxi (um luxo na época) pra casa, chegando com o maior alarido à pacata “Renascença”.

No sábado seguinte, já na primeira “Hora Dançante” do clube do bairro, “Filhinha” deu o ar da sua graça e esnobou a rapaziada, dançando música de salão que aprendera numa gafieira carioca. O Adilson, rapaz bonito e bom dançarino, freqüentador assíduo do clube, tirou-a pra dançar e ambos deram um “show” particular de samba, deixando o pessoal de queixo caído. Para matar as outras de ciúme, a “Filhinha” só falava chiando nos “esses” como boa carioca. Foi aquele “frisson”.

O tempo foi passando e a “Filhinha” insistindo no sotaque carioquês, o que acabou em gozação pela rapaziada do bairro, para alegria das moçoilas da terrinha, as quais mantinham-se fieis àquela pronúncia cantada do mineiro. Ora bolas, a “Filhinha” era mineira, uai! Que patacoada era aquela de rebolar as ancas quando andava e só falar chiando nos “esses” ?! ... Ela não era carioca!

Numa tarde de sexta-feira a “Filhinha” foi buscar pão. Adentrou a Padaria Santa Terezinha e perguntou, em carioquês, ao padeiro solícito, o Irineu, um baita gozador:-

“- Moço, tem pãesx??? ...” – e o rapaz, sorriso debochado na cara redonda, devolveu rapidinho:-

“- Nãesx, mas amanhãesx tãesx ! ...”

-o-o-o-o-o-

B.Hte., 31/08/10

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 31/08/2010
Reeditado em 01/09/2010
Código do texto: T2471159
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