E o sargento foi embora

Para quem ainda não o conhece, o referido sargento na verdade é uma senhora distinta que tinha como hábito ficar observando o cotidiano da vida alheia. Um passatempo discutível, mas para ela de grande importância. Viúva, com “trocentos” filhos e “algumas centenas” de cachorros, que simplesmente tinham o extraordinário poder de multiplicar-se e perturbar a todos que passassem em frente a sua casa. Como citado no texto: “O sargento da rua”, ela morava exatamente no meio de um morro íngreme, onde não havia a possibilidade de passar rapidamente, ou seja, um local estrategicamente apropriado aos bisbilhoteiros de plantão.

Quando o boato de que finalmente ela iria se mudar, não houve um morador que não se alegrou com a notícia, finalmente os rojões poderiam ser estourados. Ainda que estivéssemos com os dois pés atrás, já que por diversas vezes essa notícia circulou pelo bairro, contudo desta vez confirmava-se por ela mesmo, que transmitia a sua mudança a todos os interessados (e não interessados também).

Ao mesmo tempo em que agradecíamos a benção de nos livrarmos dela, sentíamos um desconforto em não há vermos mais apoiada em sua janela, perguntando a todos sobre tudo. Uma figura insuportável, mas carismática. Na verdade temíamos pelo pior, sabe Deus quem ocuparia aquela casa, tão bem posicionada. E se por acaso viesse a morar ali uma pessoa muito mais desagradável? E se ninguém ocupasse a casa e se transformasse em uma moradia abandonada? A alegria da sua partida também era um desconforto do “se”, de qualquer maneira o que era ruim poderia tornar-se pior.

No dia da mudança tudo colaborou, o Sol desde cedo dava o ar de sua graça, o caminhão postado defronte a sua casa era a absoluta certeza de que agora realmente partiria, os móveis, empoeirados, aos poucos preenchiam os espaços na carroceria, ao mesmo tempo em que deixavam os seus respectivos lugares de tantos anos. Em sua fisionomia uma mistura de alegria e incertezas, após mais de vinte anos “cuidando da vida” dos moradores daquela rua, onde repousava religiosamente os braços em sua janela, teria que se acostumar com outro ambiente, desconhecido aos olhos dela.

E como prometido por alguns moradores, rojões foram estourados em uma celebração, finalmente a liberdade, o “sargento” enfim, era apenas um passado, estávamos livres de seus olhos e sua língua. Por uma semana o acontecimento foi lembrado e festejado. O que só aumentou quando o novo dono do imóvel simplesmente derrubou a casa. Ainda assim, de vez em quando, ao olharmos o monte de entulho, onde até pouco tempo era uma casa habitada, sentíamos a falta daquela peculiar figura. O sargento realmente foi embora e aos poucos acostumávamos a não ter mais a sua presença, até esquecermos definitivamente de que em algum momento da nossa vida fomos “soldados” de um “sargento” durão.

Regor Illesac
Enviado por Regor Illesac em 03/09/2010
Código do texto: T2476484
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