Divã verde

Já me flagraram diversas vezes falando sozinho em meio ao jardim. Ou acham que estou louco ou que eu não tenho nada o que fazer, na verdade pode-se dizer que tanto uma quanto a outra alternativa não estão erradas, porém isso também não confirma a veracidade das afirmações. Gosto de estar em convívio com as plantas, o que não quer dizer que não gosto de pessoas, pelo contrário, sou incondicionalmente a favor das relações humanas, mas a tranquilidade que paira em meio ao jardim traz uma paz que nos alimenta e fortalece para minimizar o estresse, que a vida moderna insiste em consolidar como uma doença do homem urbano do século 21.

Logo cedo, após beber o meu café da manhã, vou ao quintal e com um bom dia de pulmão cheio, cumprimento as plantas e antes de sair para o trabalho, em uma conversa rápida, enquanto as rego, sei de cada detalhe e sinto quando alguma está precisando de mais ajuda. Cuido da terra, da onde provém o alimento delas, com o próprio adubo que elas oferecem, suas folhas, por exemplo, e com os adubos naturais provenientes dos restos de produtos orgânicos que consumo no dia a dia, uma troca de adubos já que acabam adubando a minha vida.

O meu interesse por plantas começou muito cedo, ficava a admirar os jardins de algumas casas e odiava quando encontrava algum em mau estado de conservação, percebia claramente as plantas agonizando precisando urgentemente de um auxílio, e sem saber o que fazer as viam atrofiar até sumirem. Foi então que decidi ter o meu próprio espaço para cultivar as plantas, sabia exatamente que tomariam um pouco do meu tempo e que precisariam de cuidados regularmente, para isso planejei de uma maneira que pudesse conciliar todos os meus compromissos sem que um interferisse no outro.

A primeira planta que adquiri era um mini cacto, por favor, não me perguntem nomes de espécies, origens ou coisa parecida, afinal não sou botânico. Mas sei que um pouco de conhecimento ajuda muito a cuidá-las da melhor forma possível. Em seis meses o meu jardim já contava com mais de uma dúzia de plantas de todos os tipos, independente se florescem ou não, gosto da beleza e das cores variadas que produzem. E com o calor que está fazendo, o cuidado precisa ser redobrado, pois a escassez de chuva aumenta a probabilidade de não sobreviverem, podendo ficar sem ter com quem jogar conversa fora, o que só aumenta a responsabilidade.

No fim do dia e nos finais de semana é o momento que mais fico entre elas, lá retiro o meu cansaço e me livro dos problemas cotidianos presentes em nossa vida e que persistem em nos seguir, desabafo sem a preocupação de escutar uma reclamação, prolongando-me por horas. Algumas vezes até ouço ruídos vindo delas, como quisessem se comunicar. Não pensem que as abuso com os meus problemas, entretanto fico menos tenso, após um bom diálogo, digo diálogo porque acredito que exista uma comunicação entre as duas partes. Já para os meus vizinhos, que sempre me surpreendem no bate-papo, trata-se de apenas um monólogo.

Entendimentos a parte, não chego a me preocupar com essas situações, pelo contrário, acho engraçadas as expressões que fazem ao me flagrarem, em meio ao jardim. Como se trata de um passatempo, não deixo de fazer outras coisas, apenas procuro me dedicar ao que faço e gosto, no caso cuidar das plantas. No cinza frio dos concretos, nada melhor do que sentar e ver a exuberância da natureza, que faz bem não só a mim, mas as visitas, muitas das quais morando em apartamentos que mal tem espaço para os próprios moradores.

Consigo perceber que se sentem bem entre as plantas, mudam rapidamente a fisionomia de cansaço para uma mais alegre, saem mais vibrantes e motivadas. Em um mundo egoísta (individualista), onde o pensar em si é mais importante do que pensar na coletividade, estou pensando se não é hora de aumentar um pouco mais o meu jardim, e abri-lo aos meus amigos que podem usá-lo como um divã, saindo dali, leves e adubados.

Regor Illesac
Enviado por Regor Illesac em 03/09/2010
Código do texto: T2476488
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