Mensagens em garrafas

Ao compreender o ser humano, ser biologicamente social, acredita-se advém daí a necessidade humana de comunicar-se. Segundo registros históricos, certamente essa característica o levou a criar formas de expressar-se e desenvolver meios de comunicação entre si, desde os primórdios da civilização. Não se tem a pretensão aqui de realizar um documento formal sobre a evolução humana nesse sentido, apenas a título de contextualização, pinçamos da história alguns dados significativos, como o marco inicial desse processo, a arte rupreste. Pensa-se, representativa mais remota do desejo humano de expressar-se, a representação pictórica da sociedade primitiva, data de 40.000 a. C. e, por certo evidencia o desejo de expressar-se e comunicar-se, inerente ao ser humano.

O ser humano além desse desejo, também criativo e curioso, através do filósofo grego Teofrasto, por volta de 310 a. C. ao realizar um experimento científico para comprovar hipóteses sobre a formação dos oceanos, lança ao mar a primeira garrafa contendo mensagens em seu interior. Sua hipótese não se sabe ao certo se comprovou-se ou não. Seu gesto no entanto, inaugura a prática de jogar garrafas com mensagens ao mar, segundo conhecimento histórico que se tem até então. A partir daí, inúmeras histórias sobre ‘message in bottle’ são conhecidas pela sociedade, desde Colombo até o projeto da NASA ‘Tempo Wentinghouse Cápsulas’. Apesar da sofisticação da referida ‘garrafa-cápsula’ (estrutura metálica com reservatório de vidro interior para suportar os efeitos de até cinco mil anos, destino previsto) contendo informações com sons e imagens, sobre a cultura e a vida na terra, lançada ao mar em 1977, possui idêntico objetivo, comunicar.

Comunicar... penso, desde sempre a necessidade de conectividade, de ser ouvido, de acolhimento às ideias, aos sonhos e aos desejos, caminham com a humanidade... Observando o contexto, tais questões levam-me a refletir sobre esse fenômeno em tempos midiáticos, na sociedade tecnologizada. Por ocosião de uma pequena viagem, não mais de cinqüenta minutos, pude observar no coletivo em que viajava o número de pessoas próximas. Na realidade, apenas as poltronas paralelas, as da frente e as de trás de onde viajava, portanto, não mais do que dez pessoas. Durante esse curto trajeto, oito dessas pessoas atenderam ao celular, algumas uma vez, outras duas vezes e um senhor realizou quatro ligações. Enquanto isso, a jovenzinha sentada ao meu lado, recebeu e emitiu várias mensagens em seu celular. Me pus a pensar pois, rotula-se a sociedade atual de individualista e, o ser humano é visto cada vez mais fechado em seu universo particular, como explica-se estarmos imbricados tão fortemente, nesse desejo de comunicar-se? De interrelacionar-se? Como explicar tal fenômeno?

Estaríamos também jogando ao mar, mensagens em garrafas? Que mensagens seriam essas? E, em quais mares estaríamos jogando tais garrafas? Os índices apontam o Brasil, com um dos maiores índices em aquisição de celulares dos últimos tempos, somos o segundo país do mundo em acessos ao Orkut e, as redes sociais, os facebooks são outras instâncias acessadas também de semelhante maneira... Pergunta-se: por quê? Por que o mundo virtual e quais garrafas ainda estaríamos nos dispondo jogar ao mar? Diária, constante e infinitamente, imensuráveis garrafas com mensagens, são lançadas no oceano virtual...

Oceano virtual... mensagens virtuais, talvez tenhamos novas nomenclaturas, novos tempos e novos espaços, mas a prática e o objetivo da prática é o mesmo: expressar-se, comunicar-se. Ou seja, o ser humano evoluiu, evoluiu... mas continua com a mesma necessidade, se não maior, de sentir-se ouvido e acolhido... E temos tanta necessidade disso! Oceano virtual, garrafas de mensagens virtuais... logicamente, não se pode generalizar... tampouco pretende-se aqui endeusar a virtualidade da vida, mas também não se pode diabolizá-la, quiçá negá-la. Há que se repensar inúmeras transformações pelas quais, nós seres dessa sociedade pósmoderna, vimos vivenciando e, à medida que nos aculturamos precisamos desmistificar e não simplesmente refutar, sob o risco de permanecermos à margem do trem da história. Afinal, a vida é movimento e, nessa dinamicidade da evolução, a celeridade da comunicação acontece. Talvez, necessitemos ressignificar conceitos, desconstruir paradigmas e construir novos jeitos de se viver e se conectar com a vida humana, em meio a tantos recursos tecnológicos. Assim, no desejo simples de expressar pensares, arrisco-me a continuar jogando mensagens em garrafas em ‘mares nunca dantes navegados’...

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Message_in_a_bottle

Gelci Agne
Enviado por Gelci Agne em 05/09/2010
Reeditado em 13/09/2010
Código do texto: T2480405
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