”É da Movitec?”

No início dos anos 70 o telefone ainda era raro nas casas de São Paulo. A linha era muito cara. Existia uma fila quilométrica para fazer a inscrição na Telesp e tudo isso era desanimador. Incerteza e desejo se misturavam naqueles idos. O meu pai chegou a comentar algumas vezes que a mãe dele, entre a aquisição da linha e a instalação do aparelho, levou apenas 25 anos! Isso mesmo: um quarto de século para o progresso chegar dentro de casa! O ato de telefonar, para nós, era um ritual. O número

para recado era o da casa da mãe do meu pai, que ficava no Ipiranga... e a nossa casa era no Cambuci. Eu falei mãe do meu pai e não avó. Isso mesmo. Os meus irmãos e eu jamais chamamos essa senhora de avó: ela jamais nos sorriu, jamais nos pegou no colo. Nunca pensou em apertar as nossas bochechas. Balas, brigadeiros, bombons, sorvetes, alguma surpresa... nem pensar. Era só a valorização da dor, das angústias e das mágoas da vida. Eu nunca a vi sorrir ou mesmo contar uma piada e então eu me pelava de medo dela. Nunca usou uma roupa com alguma cor alegre. Apenas preto e branco. Seria uma corintiana enrustida? Não sei. Só sei que vó – vó mesmo, no sentido literal, é diferente: é ternura, bondade, simplicidade, que dá raspa da panela do doce de leite pras crianças, dá conselhos, tem paciência com a nossa ignorância, ensina, apresenta a vida, essas coisas.

Voltemos à criação de Grahan Bell:

Então o meu pai tomou uma boa dose de coragem e foi comprar o telefone. Eu conhecida o telefone da casa da mãe do pai, da farmácia, do Peg Pag do Largo do Cambuci, onde no passado era um pequeno córrego e o telefone de uma padaria próxima. Poucos dias depois o mesmo chegou para nossa surpresa! Foi um clima de festa: uma novidade, muita alegria, o progresso chegando triunfante! Era hora de nos inteirarmos das inovações, procurarmos os parentes das Alterosas, do Paraná, sabermos as notícias da família!

Na hora do interurbano, era a cantilena de sempre: ligar para a telefonista mal humorada e ficar aguardando horas a fio pelo retorno. Assim que a ligação se completava, gritávamos muito para que fôssemos ouvidos. Enquanto a mãe conversava, vinha outro e ficava grudado no fone para pegar carona na conversa. E tínhamos assunto. Era o telefone em casa! O aparelho não era preto, daquele modelo pesadão. Já era modernoso, cinza bem clarinho. Com frequência eu tirava o fone do gancho só para ouvir o tuuuu tuuuuuu .

A inexperiência em lidar com a tecnologia era tão grande que meus irmãos e eu mal sabíamos o que dizer quando ocorria um engano. Algumas vezes ficamos inseguros em falar, e logo se percebeu que o número anteriormente pertencia a uma empresa: a Movitec. E os telefonemas para a empresa eram rotineiros.

O telefone tocou numa tarde. E novamente a pergunta: “É da Movitec?” A minha irmãzinha de 8 anos, que nunca tinha atendido a uma chamada, apenas respondeu: “peraí que eu vou perguntar prá minha avó”. Da sala, gritou: “vó, é da Movitec?” Com o máximo de carinho e de sorriso maroto, a vó respondeu: “não, bem. Diga que é residência”.

- “Moço, não é da Movitec não. A minha vó disse que é residência”.

Assunto encerrado.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 05/09/2010
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