Lugares Improváveis – Bier Haus
Treze Tílias/SC


Era uma vez... Um domingo qualquer ensolarado, com duas ou três nuvens espalhadas pelo céu azul decorando aquela paisagem repleta de árvores imponentes que delineavam o horizonte não tão distante assim do banco da praça, onde eu estava sentado admirando a beleza daquela cidade, contemplando o silêncio apenas quebrado por um carro ou outro que passava pela estreita rua que separava a igreja da praça. A Prefeitura logo ali do outro lado da praça – as árvores muito bem podadas, os inúmeros bancos que por ali se espalhavam e sempre ofereciam uma vista de tirar o fôlego e fazer pensar na vida, me faziam entender que estava em uma cidade pequena, mas o tamanho era relativo se você observasse a imensa beleza do lugar, a enorme simpatia de seus habitantes e a grande sensação de me sentir em casa.

Uau! Só a fome pra me tirar deste banquinho... só me restava procurar um lugar para comer e matar quem estava me matando. Na primeira passagem pela rua principal da cidade, parecia que todos almoçavam em casa, até os donos dos restaurantes. Opa! Uma churrascaria aberta! Ah! vir até aqui pra comer churrasco? Péssima ideia! Uma parada estratégica em um hotel e o simpático senhor me informou coçando a cabeça: – Hummm! Tem a churrascaria ali na entrada da cidade e o Leonardo abertos, mas lá também é uma churrascaria, mas tem também comida regional. Agradeci a informação pensando “Se está em Roma coma como os romanos” e segui até o Leonardo e seu restaurante chamado Bier Haus.

O Lugar por fora parece um galpão pequeno, branco, sem nada de especial além de uma placa já meio desbotada com o nome do restaurante, mas ao entrar você já sente que está em um lugar diferente. Canecas ou canecos – como preferir chamar – milhares delas penduradas cuidadosamente lado a lado, em ganchos, decoram todas as paredes do restaurante e outras mais podem ser encontradas espalhadas em prateleiras ou em qualquer outro lugar onde uma possa ser enfiada! Ofuscam totalmente a simplicidade do local, com suas mesas quase que comunitárias, cobertas com toalhas brancas rendadas com motivo floral e cercadas por cadeiras com assento de palha.

A sensação era de que entrei na casa de alguém, apenas dois casais de idosos sentados em uma mesa proseando muito à vontade e um solitário senhor de boné perdido em seus pensamentos estavam no local. A fome era grande e a minha frente uma gôndola com várias iguarias locais já resolveriam meu problema. Sentei-me e não demorou muito uma garçonete aproxima-se com o cardápio, peço uma bebida e ingresso no sistema de rodízio mesmo sem ver nenhuma churrasqueira por perto ou mesmo sentir o calor dela. Prato na mão, fui escolhendo o que comer pela aparência, quanto mais esquisito melhor, a idéia era provar coisas novas – uma pausa aqui para comentar que adoraria contar o que comi – mas realmente eu não sei. Não tinha o nome dos pratos, a única coisa que reconheci foi a salada de batata.

De volta à mesa enquanto tentava decifrar o que estava comendo eis que surge ao meu lado, um senhor, um espeto e uma carne estranha, quase que torrada. Não consegui bem ouvir do que se tratava, por susto ou por instinto de sobrevivência, eu recusei sua oferta. Pouco tempo depois, de volta a mesa e já com aquele sorriso simpático, o garçom, um espeto e outro tipo de carne ainda com aspecto mais torrado, veio desta vez acompanhada com um slogan: – Prove esta alcatra, está uma delícia, super macia! Como recusar uma oferta tão simpática assim? Impossível!

Não demorei muito a perceber que me sentia em casa, na casa do Leonardo! Tudo o que provara, tinha sabor de comida feita em casa, meus companheiros de domingo naquele restaurante pareciam estar em casa e o carinho que recebi gratuitamente do garçom com suas explicações sobre cada pedaço de carne deixado em meu prato era coisa de amigo de longa data! E apesar do constante aspecto de torrado, mas não queimado! Tudo estava muito gostoso!

O tempo passava rápido, ou estava me deliciando com a comidinha amistosa ou me perdendo por entre as milhares de canecas e suas mais diferentes formas e tamanhos. Sabe criança feliz no parquinho que não quer ir embora? Eu me sentia assim, não queria sair de casa. Não conseguia dizer “não” para o simpático garçom quando ele aparecia com um novo pedaço de carne, então aproveitei a ida dele à suposta churrasqueira para levantar e pedir a conta à garçonete, que entrou por uma porta e logo retornou, me respondendo: – Só um momento que o seu Leonardo já vem! — Finalmente eu ia conhecer o meu amigo Léo!!!

Não demora muito e aquele sorriso conhecido aparece para me atender, o garçom? Leonardo? Sim os dois são a mesma pessoa. Ele muito orgulhoso me conta que é o maior colecionador de canecas do Brasil, e afirma: – Que vai ser o maior do mundo! O seu objetivo é entrar para o livro dos recordes! Como duvidar disso? São quatorze anos colecionando canecas, muitas adquiridas por eles, muitas outras mandadas por seus clientes e amigos do mundo inteiro, certamente encantados pela sua simpatia e sua dedicação e claro, pela carne torrada!

Assinei a seu pedido com muito orgulho o livro que mantém junto ao caixa, onde registra todos os seus amigos que passaram por lá e que certamente deixaram além de seu nome e da cidade de onde vieram, a saudade do amigo Leonardo.

Ah! Já ia esquecendo! Quantas canecas você já tem Léo? – Perguntei – Com o peito estufado de orgulho ele responde: – Mais de cinco mil e duzentas! E como faz para limpar? –Uma a uma! Ele responde. Nessa hora olho para a garçonete que está com os olhos arregalados e uma cara de “fazer o que né?”.

Era uma vez um domingo... era uma vez uma cidade encantadora...era uma vez uma carne torrada deliciosa... era uma vez uma amigo chamado Leonardo e seu sonho. Às vezes as encontramos – as melhores coisas – nos lugares mais improváveis!

Ao deixar a cidade, parei o carro para bater uma foto do portal de entrada, e não mais para minha surpresa lá estava escrito: “Sinta-se em casa”.


Leia outras cronicas no Blog do Buraco

Blog do Buraco por Ricardo Leão
Enviado por Blog do Buraco por Ricardo Leão em 06/09/2010
Reeditado em 06/09/2010
Código do texto: T2482614
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.