A SUCURI DA CACIMBINHA DE ÁGUA DOCE
Se a sucuri de mais ou menos oito metros realmente morava na cacimbinha de água doce eu nunca soube, o que sei é que ouvia sobre ela todos os dias ao meio-dia. E o medo aumentava ainda mais quando tínhamos de buscar água fresca para o tereré antes do almoço.
Quando a roça ficava perto de casa os homens não ficavam por lá o dia inteiro e costumavam voltar para o almoço. Nessas horas em casa descansavam e tomava chimarrão ou nos dias mais quentes apreciavam o tereré.
A água fresca para o tereré era trazida de uma cacimba, que também chamavam de olho d’água doce - ficava bem próxima ao rio Santa Cruz – água bastante salobra – ou saloba – como ainda dizem por aquelas bandas.
A verdade é que o Seu Floriano, o Ceriaco e o Astúrio diziam que a enorme sucuri ficava dentro da cacimba de águas azuis, coberta de folhas e musgos. Contavam eles que ela saía para tomar sol e alimentar-se diariamente ao meio-dia - essa era a hora de buscar água para o tal rotineiro tereré. E eram as crianças que buscavam a abençoada água fresca da cacimbinha.
O terror de encontrar o bicho tomando sol era medonho. Quem descia a encosta, apanhava a água com um pequeno galão – de dois litros - e quando subia a ladeira já havia derramado quase todo o líquido e nada chegava lá em cima. E tinha de voltar e enfrentar o pavor da sucuri.
Os três tomadores de tereré contavam que a sucuri gostava de carne de criança pequena e quando ela queria almoçar ficava esperando por crianças que gostavam de tomar banho na hora do almoço – essa era a nossa hora preferida para tomar banho na pedrona do Santa Cruz -, horário em que a água estava mais aquecida .
Então passamos a viver um dilema, pois para chegar ao rio tínhamos de passar pela cacimbinha da sucuri e o perigo era iminente.
O medo de cruzar com a sucuri nos aterrorizava e resolvemos não tomar mais banho de rio na hora do almoço. Então, resolvemos controlar o tempo e passamos a verificar as horas no relógio de sol da Severina. Ela fincou um pau perto da janela da cozinha e dizia que quando a sombra batesse ali era meio-dia, hora de aprontar o almoço -, momento de comer e, portanto, não era hora de nenhuma criança estar tomando banho no rio. E assim passou a ser. A cada espaço de tempo era a vez de alguém ir ver se a sombra estava próxima ao pau ou se ainda tínhamos tempo para mais brincadeiras no rio.
O tempo foi passando e nunca encontramos a sucuri de tão grande tamanho para tão pequeno olho d’água coberto de folhas e ramos – como diziam. Encontramos, sim, e até pescamos algumas vezes, muitos bagres bem graúdos.
A pescaria na cacimbinha se dava ao anoitecer e por seguidas noites, depois de ter comido muito jundiá frito, sonhei com a sucuri gordona que tomava sol ao meio-dia – exatamente na hora do nosso banho de rio.
Naqueles dias de ingênua infância não imaginava que teria de enfrentar outros medos e que pela vida afora teria de correr de outros bichos – esses sim - muito malvados e ferozes – andam buscando a quem possam tragar.