Lembranças... Apenas lembranças...

Por que a inspiração só chega nesses momentos??? Véspera de prova de patologia, com algumas horas para decorar algumas páginas... Calma, decorar só para a prova, como diz o próprio professor... Aprender pra vida...

Comecei, há alguns dias, colar fotos na minha janela... Eu, e as meninas que moram comigo, eu e uma amiga da faculdade, eu e uma amiga da minha amiga... Depois, fotos de umas amigas, e então me lembrei de uma foto velha, que se escondia em alguma agenda minha de algum ano passado... Logo achei.

E colei a foto lá. Logo depois das outras. Nada demais, apenas mais uma lembrança.

Mas, com a cafeína agindo no meu sistema nervoso, agitada para estudar, esperando por alguém que pelo jeito não vai aparecer, olhei para a tal foto.

Eu acho que não tinha nem um metro de altura e estava do lada da minha mãe, no momento da foto. Meus olhos se encheram de lágrima. Deu uma certa saudade daquela inocência.

Usava um sapatinho, colorido (azul, amarelo e vermelho). Um macacão azul-marinho até o joelho e uma camisa branca de manga curta. Cabelos pretíssimos, naquela época lisos, e uma franginha quase cobrindo os olhos meio puxadinhos. Um sorriso preso, os dentes sobre o lábio inferior, as bochechas redondas, desenhando um sorriso maroto e sapeca. Aos poucos as lembranças foram voltando, me lembrei que corri para buscar um álbum de fotografia para sair segurando na foto. Na hora teve um significado para mim.

Minha mãe, uma simplicidade que fez minhas lágrimas caírem. Recém chegados da Bahia, de uma cidadezinha do interior para outra cidadezinha do interior. Era um orgulho morar em São Paulo. Ela, aprontando a melhor roupa que tinha, um chinelo rosa, Rider, uma bermuda jeans no alto da barriga, uma camiseta que agora, não consigo definir a cor, talvez vinho, por dentro da bermuda. Cabelos no ombro. Ela saiu com o olhar baixo, talvez desprevenida da foto, talvez por timidez.

Morávamos numa casa alugada, acho melhor definir como dois cômodos alugados no fundo da casa do Seu Sebastião, que é uma das figuras que mais guardo daquela época. Um velho, que substituiu por este tempo meus avôs.

A simplicidade de tudo me fez chorar, aquela inocência e percebendo agora o rumo que tudo tomou. Os caminhos bons e ruins que meu pai tomou, muitos dos quais só tomei conhecimento depois de grande e outros que com certeza nunca virei a saber.

Agora só tenho lembranças das lembranças e lembranças das histórias que ouvi contar.

Um tatu que apareceu um dia por lá, que virou curiosidade e depois comida. Uns cachorros grandes que me amedrontavam, e que duas mordidas no bumbum, hoje caracterizam um trauma. Um corredor pelo qual corria muito...

Tinha também uma roseira na foto, e mais algumas plantinhas. A paisagem de fundo, era o portão e depois a rua. Depois de grande ainda passei por lá, mas nada me chocou tanto como essa foto hoje.

Sem contar a saudade da minha mãe...

Tudo o que eu queria desejar era voltar àquela idade, àquela inocência, eu era tão feliz e não sabia... Nunca sabemos...

Maybe, aquele álbum de foto que agarrei e que ninguém, mesmo tentando de todos os jeitos me persuadir conseguiu me arrancar, quis dizer que as lembranças são as coisas que sobram. E mais lágrimas ao olhar a foto...

Tentei encontrar alguma semelhança minha no rosto da minha mãe, que na época não tinha dezoito anos, na verdade, não encontrei muita. Mas nela vi o quanto mudou, minha mãe é uma mulher batalhadora. E aquela expressão tímida, os olhos baixos as roupas simples, que eram tão suficientes...

Quando foi que o tínhamos deixou de ser suficiente?

Não posso negar quantos sentimentos me tomaram, quanta tristeza naquela época eu não sentia e quanta coisa eu não sabia. E não me lembro de ter visto minha mãe chorar. Só depois, as brigas ficaram irremediáveis.

Chorei demais ao pensar em tudo isso. O passado não volta, as lembranças ficam, e as fotos nos ajudam a lembrar do que éramos...

Jule Santos
Enviado por Jule Santos em 25/09/2006
Reeditado em 26/10/2006
Código do texto: T248629