Crônica III: Numa Gelada

Numa Gelada

Ana Esther

Nova Zelândia. Paraíso dos esportes radicais. Viajando pelo país num ônibus de excursão da Magic Bus com um itinerário de 11 dias pelas Ilhas Norte e Sul vi e curti muitas belezas. Não podia, no entanto, passar por lá sem nenhuma ‘radicalidade’, ou seja resolvi caminhar por uma geleira! O monte Franz Joseph na Ilha Sul tem seu pico gelado e, em dias de tempo firme, acolhe visitantes corajosos e/ou mais provavelmente inconseqüentes –este era o meu caso.

O passeio consistia em tomarmos um helicóptero que levaria o grupo em duas viagens até o topo do monte e, uma vez todos lá, começaríamos a caminhada pela geleira. Deram-me uma declaração para eu assinar eximindo a empresa de qualquer responsabilidade em caso de acidente durante a caminhada no gelo. Dica para desistir ali na hora. Segui em frente. Era o mês de março de 1999 e fazia um dia bonito e quente. Fomos aconselhados a usar shorts com botas de ‘garras’ de ferro na sola, especiais para uso no gelo. Estranhei o conselho do short porém a explicação (e a experiência logo após) foi convincente: calças compridas molham ao encostarem no gelo e não secam, o frio então é insuportável.

Só sobrevoar de helicóptero uma geleira na Nova Zelândia para mim já era algo super mega ultra radical. Mas eu queria mais! O helicóptero pousou no gelo e ficamos ali com nossa guia esperando o resto do grupo. Aproveitamos para tirar fotos e filmar o cenário fantástico e congelado. Foi somente ali que eu me dei conta do que me esperava. Eu simplesmente não fazia idéia do que era uma geleira! Quis desistir. Era impossível pois a caminhada acabaria em outro ponto onde o helicóptero nos buscaria na hora marcada. Respirei fundo e tive que encarar. A guia, uma moça de uns 20 anos, deu-nos algumas instruções básicas de como deveríamos agir e de como segurar a ‘bengala’ para gelo que ela ia distribuindo. Já éramos experts e começamos a caminhada. Eu, o deslumbramento em pessoa, tirava fotos e filmava tudo de tempos em tempos e me equilibrava para não deslizar no gelo e cair nos precipícios. Precipícios!?

Entrei em pânico e tornei-me consciente do perigo que corria. Aquilo não era brincadeira. E mais, de longe eu não entendia direito os comandos que a guia dava em inglês neo-zelandês. Berrei e confessei o pânico. Passaram-me para frente onde caminhei o resto do percurso bem atrás da guia –claro que continuei a filmar e a fotografar enquanto cruzava os precipícios e fissuras no gelo de todas as alturas, escavava degraus de gelo para abrir caminhos, traduzia mentalmente o inglês para mera sobrevivência... O sol, a geleira, o friozinho nas pernas que molhavam, mas secavam rapidamente, a montanha, tudo sensacional. E os precipícios escorregadios! Todos chegamos sãos ao ponto de encontro. Sorte. Novo vôo de helicóptero sobre a montanha imponente e estávamos de volta à segurança da terra firme. Radical!

*Escrevi esta minha crônica em 19/8/2007.